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quinta-feira, 16 de abril de 2015

"A História Sem Fim" (NeverEnding Story) - O livro de Michael Ende, e suas Considerações Filosíficas e Religiosas


Certa vez um crítico literário disse que "A História Sem Fim" escrito por Michael Ende foi um dos livros mais extraordinários que ele já leu, e lamentava profundamente não ter lido este livro quando era mais jovem, pois certamente teria evitado muitos equívocos em sua jornada na vida.

Michael Ende era alemão nascido no pequeno município de Garmisch-Partenkirchen, sul da Alemanha quase fronteira com Áustria, seu pai era um pintor surrealista e ainda jovem ele começou a escrever livros para o público juvenil e pré adolescente, seu nome era bastante conhecido na antiga Alemanha Ocidental até que em 1979 lançou "Die unendliche Geschichte" em Português "A História Sem Fim".

O livro era fantástico e conquistou o público fora da Alemanha, a versão em Inglês foi um sucesso e ganhou a capa de couro cor de cobre com o símbolo do "AURIN" de metal em alto relevo, conforme era descrito no próprio livro.

Em 1983 o também alemão e diretor Wolfgang Pettersen se propôs a levar "A História Sem Fim" para os cinemas, e tudo levava a crer que a obra de Michel Ende seria popularizada e imortalizada na "telona".

Infelizmente isto não ocorreu, o filme "A História Sem Fim" quando foi lançado em 1984 frustou muito Michael Ende, ele se entristeceu e se aborreceu com a descaracterização do livro, a ponto de entrar na justiça para que seu nome não aparecesse nos créditos do filme como se fosse baseado no seu livro, tanto que nos créditos do filme Wolfgang Pettersen é quem aparece também como roteirista.

De fato o filme "A História Sem Fim", para quem não conhecia o livro, parecia um filme muito inteligente, somente quando se lê o livro se tem noção de quanto se perdeu, não apenas por causa do tempo que nos cinemas não permite que todo livro fosse explorado, mas até mesmo os próprios conceitos foram perdidos ou mesmo invertidos e a obra no cinema ficou totalmente descaracterizada.

Em 1990 chegou aos cinemas "A História Sem Fim II" com a continuação da segunda metade do livro, mas novamente a obra de Michael Ende foi bastante aviltada, perdendo inclusive toda sua perspectiva filosófica. Para Piorar em 1994 chegou aos cinemas "A História Sem Fim III" e este nem sequer tem nenhuma relação com as narrativas propostas no livro.

Em 1995 Michael Ende faleceu ainda jovem, aos 65 anos, vítima de um câncer, e há quem especule que ele estava bastante deprimido por causa de sua principal obra ter sido tão prejudicada e deturpada nas telas dos cinemas.

Particularmente só compreendi a dimensão do que se perdeu quando pude ler o livro, creio que o público em geral, principalmente porque muitos são avessos a leitura, não tem a menor noção da obra magnífica que estava por trás dos malfadados filmes.

O Gênero

Para entender um pouco melhor este livro, primeiro temos que entender um pouco sobre uma breve e extraordinária onda literária promovida por escritores que vivenciaram a segunda grande guerra.

Mas primeiro vamos um pouco mais longe, nos filósofos da virada do século XIX para o século XX.

Em 1859 Charles Darwin publicou seu principal trabalho sobre a evolução das espécies, e o movimento filosófico encampou as idéias de Darwin numa perspectiva de negação total de Deus e do sobrenatural, mesmo que esta não fosse a perspectiva de Darwin.

Nos anos seguintes Filósofos como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, trabalharam ostensivamente a negação de Deus e de qualquer outra forma de transcendência. Juntou-se a isto o grande momento de evoluções tecnológicas que a humanidade vivia com a chegada da eletricidade, das locomotivas, dos automóveis, dos telefones, entre outros.

Surgiu uma "Era" aonde a razão reinava absoluta, não havia mais espaço para sonhos e fantasias. Mas esta "Era" maldita aonde a espiritualidade era rejeitada em nome de uma suposta razão e uma suposta ciência, acabou lançando o mundo em duas grande e terríveis guerras que ceifaram milhões de vidas.

Aconteceu que ao final da Segunda Grande Guerra, muitas pessoas célebres que viram de perto toda aquela destruição, produziram textos e trabalhos excelentes e memoráveis, Estes célebres autores tinham como temática principal um mundo fantasioso e imaginativo. Era na verdade uma tentativa de afirmar o direito do homem de sonhar, fantasiar e imaginar, o direito de transcender e crer no sobrenatural, pois o período anterior aonde a humanidade acreditava apenas na razão gerou as terríveis Primeira, e Segunda Grandes Guerras.

Foi assim como por exemplo com Gene Roddenberry roteirista da famosa série Star Trek, ou William Golding que escreveu o best-seller "O Senhor Das Moscas", assim também como J. R. Tolkien e seus "Hóbbits" ou mesmo o grande amigo dele, C. S. Lewis, entre tantos outros.

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John Ronald Reuel Tolkien 

Por falar em Tolkien, certa vez ele foi questionado sobre seus livros e sua fé, isto porque ele era um cristão católico, e seu maior amigo C.S. Lewis, também era um cristão mas este era protestante, ambos eram cristãos convictos, e Tolkien foi questionado sobre o gênero fantasioso de sua obra "O Senhor dos Anéis" enquanto Lewis produzira "Narnia" e a questão era se tais obras cheias de fantasias e mundos imaginários não estavam no sentido oposto a mensagem de Jesus.

A resposta de Tolkien foi muito interessante, ele afirmou que Deus imaginou este mundo antes de cria-lo, assim como também imaginou a vinda de Cristo antes dele concretizar sua chegada, para ele então a fantasia nasceu com seu Deus que também era criativo e imaginativo, então sua fé estava em perfeita harmonia com sua obra literária.

Quando pensamos em Michael Ende, ele é cerca de trinta anos mais novo que esta geração de Sir Golding, e enquanto Roddenberry lutava na segunda guerra, Michael Ende era um pré adolescente com 10 e 11 anos quando viu todo o horror da loucura de Hitler conduzindo seu país a uma guerra terrível, e aos 16 anos ele viu seu país ser destruído por uma chuva de bombas, a derrota nazista e o fim do Terceiro Reich.

Curiosamente, os personagens da "História Sem Fim" tem cerca de 10 anos de idade, e talvez a proposta do livro escrito para esta faixa etária seja uma tentativa de iluminar estes jovens e faze-los despertar para a realidade de uma existência mais profunda, a fim de não serem levados por loucuras destrutivas desta sociedade, como esta do Nazismo.



Michael Ende

Então "A História Sem Fim" veio a reboque deste estilo, mesmo tendo sido produzida tempos depois, talvez a última obra desta geração de Tolkien e companhia, e provavelmente a ideia do autor fosse dar continuidade, ao gênero proposto por estes vários grande autores do pós guerra.
Como disse, era um estilo que defendia a liberdade lúdica e criativa e a crença na transcendência, e a obra de Michael Ende tem também um forte componente religioso, o que em certos aspectos faz lembrar os trabalhos de C. S. Lewis que em "As Crônicas Nárnia" constrói um mundo fantasioso e nesta narrativa defende suas convicções cristãs, tanto é assim que o próprio Lewis não escondia de ninguém que seu herói "Aslan" era uma metáfora de Jesus Cristo, e por isto o personagem é um Leão, pois em algumas referências Bíblicas de textos anteriores a vinda de Jesus, antigos profetas por vezes mencionavam o messias que viria como o "Leão", por sinal "Aslan" na verdade significa isto "O Grande Leão".

Apesar desta afirmação religiosa positiva destes grandes autores, muitos cristãos condenaram e ainda condenam com fortes criticas as obras deste estilo, pois julgam que tal gênero fantasioso prega um mundo de duendes e fadas que mais se assemelha ao misticismo e ao exoterismo do que ao cristianismo.

Particularmente entendo e concordo em parte com algumas destes críticas, pois por vezes estas fantasias e estes mundos imaginários abrem portas perigosas para forças bastante destrutivas, mas creio que não podemos desmerecer a obra destes homens pois o que eles na verdade estavam fazendo era uma reação à ditadura da razão que intoxicou a sociedade nos anos anteriores. Além disso temos que entender que em suas mentes, a imaginação e o lúdico podem ter sido a fuga e o alívio aos horrores da guerra que todos estes presenciaram, então a criatividade e o imaginário foi o que na verdade os manteve sãos, enquanto a racionalidade e a perda do lúdico e a crença apenas na razão e na ciência, aniquilando tanto a religião como a fantasia, fez com que a sociedade se tornasse insana, e mergulhou o mundo em duas grandes guerras terrivelmente destrutivas.

Adiante falaremos mais sobre o carácter religioso de Michael Ende e sua "História Sem Fim".

Dentro do Livro

Apesar de inserida num contexto literário lúdico do pós guerra (mesmo em caráter tardio) "A História Sem Fim" é um livro único, pois a proposta de Michael Ende era bem mais ambiciosa do que seus inspiradores Lewis e Tolkien, isto porque enquanto estes dois construíram mundos imaginários para levar mensagens através de metáforas, Michael Ende tenta nos levar para dentro do livro numa perspectiva muito profunda e envolvente.

É bom lembrar também que a escola alemã de arte e literatura sempre produziu grande trabalhos de cunho imaginativo, desde os irmãos Grimm, passando por Mozart e sua flauta mágica, entre tantos outros. Michael Ende explora todo este universo criativo para nos levar numa viagem cujo propósito é encontrar o caminho para uma vida mais elevada. E tudo isto narrado para um público infanto juvenil.

O título tem a ver com a perspectiva de que quem lê o livro acaba se tornando parte desta história, como o livro conta sobre um menino lendo um livro, seria algo como, eu lendo um livro sobre alguém lendo um livro e assim por diante, como espelhos um de frente para o outro refletindo imagens de forma infinita.

E Michael Ende é muito envolvente nesta ideia, num determinado momento do livro encontramos a menção de que o protagonista Bastian Balthazar Bux estava lendo o livro cuja a capa tinha a figura de duas serpentes entrelaçadas uma mordendo a cauda da outra, curiosamente este amuleto aparece na história que ele estava lendo, nesta narrativa encontramos que o protagonista ao se deparar com a figura dentro da historia, marca a página aonde estava e fecha o livro para reparar que é o mesmo simbolo da capa do livro, ocorre que quando estamos lendo esta narrativa, quase automático fazemos a mesma coisa, marcamos a página e fechamos o livro para olhar a figura da capa, então o leitor reage da mesma forma que o personagem.Outro exemplo é quando Bastian repara que o livro tem parte da narrativa em vermelho e outra parte em azul, e todas as edições do livro, em todos os países que foi publicado tem a mesma configuração, de maneira que somos levados a entender que o leitor acaba fazendo parte da mesma história.

O livro tem 26 capítulos sendo que nos 13 primeiros o personagem Bastiam Baltazar Bux começa a lê-lo escondido no sótão da escola enquanto mata aula, a partir do capítulo 13 o jovem Bastian entra na história e passa a fazer parte do livro. Mas a forma como a história é conduzida induz a todos os que leem a se ver também dentro da história.

O Livro Iª Parte

Como disse, o livro tem estas duas áreas distintas, façamos então numa breve resenha desta primeira parte deste livro, para depois fazermos outras considerações.

Bastian é um garoto que perdeu a mãe, tem 10 anos de idade, e seu pai está com a cabeça longe, consumido pela tristeza, raramente troca uma palavra com o filho, mas lhe cobre de presentes para tentar compensar tanto a ausência sua, como a da mãe. Bastian é gordo, bastante desajeitado, sofre bullying na escola, sem talento para esporte e muito desatento nas aulas, suas notas são ruins e ficou reprovado no ano anterior.

Bastian foge de suas dores através dos livros, ele é um leitor compulsivo e certa manha enquanto fugia dos garotos da escola, entrou numa livraria. Ficou fascinado por um determinado livro, mas como o homem disse que não lhe venderia nada, ele desesperado por aquele livro, acabou roubando-o e fugindo para a escola, aproveitando a distração do livreiro. Na escola, ao invés de ir para a aula, ele sobe no sótão que funciona como depósito e lá se acomoda com a intensão de só descer de lá quando terminar de ler aquele livro.

O livro tem a capa de couro cor de bronze com o simbolo das duas serpentes entrelaçadas e contava a história de um mundo chamado "Fantasia", um mundo maravilhoso mas que estava sendo engolido por um vácuo, um "Nada" devastador. Neste mundo habitado por uma infinidade de seres fantásticos existe uma imperatriz, uma menina de cerca de 10 anos, contudo ela é muito mais velha que isso, na verdade a história sugere ser ela um ser eterno. A imperatriz reina sem uso da força, todos a respeitam e zelam por ela, pois o mundo de "Fantasia" só existe porque ela existe. Todavia ela está doente e a doença dela tem relação com este vazio que tem devastado aquele mundo.

Para salvar a Imperatriz, ela própria designou um rapaz que também tem cerca de 10 anos, de nome "Atreiú". Este jovenzinho é oriundo de um povo valente que habitava naquele mundo encantado. Ele monta em seu cavalo e sai pelos reinos daquele mundo a procura da cura da Imperatriz.

Enquanto lê esta narrativa Bastian se sente cada vez mais envolvido e passa a se imaginar nas cenas do livro.

Atreiú percorreu vários reinos de "Fantasia" em busca da cura da Imperatriz Criança, no sétimo dia de sua busca ele sonha com um búfalo que lhe manda procurar a "Morla" que vivia no "Pântano da Tristeza", Neste Pantano o cavalo de Atreiú morre atolado e ao encontrar a "Morla" ele descobre que se tratava de uma tartaruga gigantesca, a tartaruga diz que não se importava com os problemas de "Fantasia", mas Atreiú muito bem articulado consegue que ela fale como curar a Imperatriz. A Morla então afirma que a Imperatriz precisava apenas de um novo nome, mas apesar de parecer uma tarefa fácil, havia um problema, ninguém de "Fantasia" poderia dar este nome, mas para saber quem poderia dar este nome ele deveria consultar o Oráculo do Sul. Atreiú consegue chegar ao Oráculo voando num dragão branco voador, chamado dragão da sorte, isto após livra-lo de ser morto por um terrível monstro. No Oráculo, Atreiú tem que passar por três portais para conseguir consulta-lo e descobrir que quem deveria dar o novo nome para a Imperatriz era um ser humano, fora de "Fantasia".

Depois de, sem sucesso, tentar achar uma forma contatar alguém fora de fantasia, Atreiú decide que vai voltar para a Imperatriz e dize-la que descobriu como ela ficaria curada, que seria um ser humano dar-lhe um novo nome, mas não conseguiu achar uma forma de fazer contato com alguém além do mundo de "Fantasia". Contudo antes de chegar até a Torre de Marfim aonde vivia a Imperatriz Menina, Atreiú caiu de seu dragão e teve que enfrentar Gmork, um ser das trevas que trabalhava a serviço do "Nada" e tentava impedir Atreiú de salvar "Fantasia". Após superar este ser monstruoso, finalmente ele chega até a Imperatriz acreditando ter falhado em sua missão, mas ela lhe olha com um olhar profundo e diz: " Atreiú você não falhou, você o trouxe consigo".

Nesta hora Bastian entendeu que era dele que a Imperatriz estava falando, ele havia acompanhado Atreiú enquanto lia suas aventuras, e agora era convocado para dar um novo nome para a Imperatriz. Após relutar Bastian finalmente grita um novo nome para a Imperatriz, e a chama de "Filha da Lua", neste momento o relógio marca meia noite e é como se a vida de Bastian recomeçasse. Este é o final do 12º capítulo e exatamente o meio do livro. A partir do início do capítulo XIII, Bastian já faz parte do próprio livro que ele estava lendo.

Simbologia  Cristã da História sem Fim

"A História Sem Fim" é repleta de conceitos cristãos, que obviamente foram transmitidos dentro da visão de Michael Ende, mas é importante tentar entender a percepção religiosa do autor desta obra.

A Alemanha é um país profundamente cristão, ao sul aonde nasceu o autor da "História Sem Fim" o povo é muito Católico, e ao norte temos o berço da reforma protestante, mas este mesmo povo se deixou levar pela insanidade de Hitler. Talvez Michael Ende tenha entendido que as pessoas frequentavam as igrejas mas faltava a elas perspectiva de uma experiência mais pessoal e transcendental com o Cristo, este momento único e pessoal pode ter sido retratado com Bastian sozinho no sótão da escola lendo o livro.

A religião cristã tem estas duas esferas bem distintas, de um lado a fé no âmbito coletivo partilhada no dia a dia de uma igreja, de outro lado a experiência particular com o Cristo, e esta experiência é o que realmente pode gerar uma mudança na forma como vemos a vida. Creio que a função da igreja é apenas apontar para Cristo, o restante da fé consiste na relação pessoal com o Salvador.

Talvez a ausência desta experiência pessoal, tenha gerado uma religiosidade vazia no povo Alemão, e junta-se a isto o fato de que toda sociedade estava envolvida naquela ideia de que a razão explicaria tudo, conforme falamos anteriormente, então não havia mais espaço para as fantasias na mente do povo Alemão. Somou-se uma religiosidade vazia com um povo que não sabe sonhar, e tivemos uma sociedade cristã, com bom nível cultural, e alto nível de escolaridade, sendo facilmente manipulada pelo Nazismo. Dai surgiu na mente de Michael Ende a ideia do "Nada" que devasta o mundo da "Fantasia" e este vazio facilitava manipulação dos seres humanos.

Desta visão surge na "História Sem Fim" o personagem Atreiú, que é uma clara metáfora de Jesus Cristo, isto fica claro até mesmo pelo significado deste nome, e isto dito no próprio livro conforme registrado no capítulo II aonde encontramos que "Atreiú" significa "Filho de todos" mas também pode significar "Filho de Ninguém", e se olharmos o texto da bíblia veremos que o próprio Jesus Cristo, se intitulou "Filho do Homem" isto é "Filho de Todos os Homens", no sentido de ser filho da humanidade, "Filho de Todos" assim como também era o personagem "Atreiú", (evangelho de Lucas 19 verso 10). No texto da bíblia também encontramos a ideia de que o Cristo pode ser compreendido como "Filho de Ninguém" no registro dos Hebreus capitulo 7 verso 3 aonde encontramos que o Cristo é "Sem pai, sem mãe, e sem genealogia".

Não satisfeito, com esta insinuações de que "Atreiú" é seu arquétipo de Cristo, Michael Ende faz outra insinuação no capítulo V quando encontramos a narrativa de que num determinado momento Bastian precisou interromper a leitura da "História Sem Fim" para ir ao banheiro, aproveitando que as aulas já haviam encerrado e a escola já estava vazia; mesmo com medo ele desce até o sanitário e neste momento ele divaga sobre porque não via nos livros narrativas sobre os heróis tendo necessidades fisiológicas, na mesma hora ele recordou que tempos atrás na aula de religião ele levou uma bronca do professor por ter questionado se Jesus precisava ir ao banheiro, ao que o próprio Bastian respondeu para si mesmo de que agora entendia que estes momentos eram triviais e por isto não eram narrados. Mas toda esta pequena narrativa é a forma como Michael Ende está tentando dizer que seu herói é uma metáfora da pessoa de Jesus Cristo.

Contudo, dizer que Atreiú é uma metáfora de Jesus, não significa que as aventuras descritas no livro tenham alguma relação com a narrativa bíblica da vida, morte e ressurreição do Cristo. A proposta de Michael Ende é diferente. O leitor da "História Sem Fim", vai entender que o menino Bastian teve um encontro com a Imperatriz Menina, quando acompanhou Atreiú, isto significa que na perspectiva de Michael Ende, a pessoa que vivencia a experiencia transcendental de seguir o Cristo, acaba tendo um encontro com a Imperatriz Menina. Esta é a ideia, seguir o Cristo conduz até a Imperatriz, então surge a grande questão: Quem é esta Imperatriz Menina? Façamos o seguinte, vamos analisar quem é esta personagem central mais adiante, por hora quero registrar algumas outras citações bíblicas relacionadas com esta primeira parte do livro "A História Sem Fim".

No capítulo IV Atreiú e o dragão da sorte são mordidos por um monstro das trevas venenoso, surge um velho gnomo com um antídoto, que os curou, Atreiú descreve o remédio como sendo tanto doce quanto amargo. No texto de bíblico do Apocalipse o Apostolo João come um livro, que é descrito tanto doce quanto amargo. (Apocalípse 10 verso 10). Em outra narrativa quando Atreiú chega ao Oráculo no capítulo VI, ele tem que atravessar três portais para poder consultar o Oráculo e descobrir a cura da Imperatriz, o primeiro portal exigia que ele superasse o medo, o segundo portal era um espelho que revelaria seu verdadeiro "eu" então ele teria que superar a si mesmo, o terceiro portal exigia que ele superasse seu querer. Pois bem, as três situações são bíblicas, vejamos que o Apostolo João afirma que o "verdadeiro amor lança fora todo medo" (1ª João 4 verso 18) como no primeiro portal; em seguida olhar um espelho com o seu verdadeiro eu, é o mesmo que ser capaz de conhecer a si mesmo e ser verdadeiro consigo mesmo, e na bíblia o Apóstolo Paulo escreveu "Examine-se pois o homem a si mesmo" (1ª Corintius 11 verso 28); por fim o terceiro portal exigia abrir mão do seu querer, e no texto bíblico encontramos o próprio Jesus dizendo "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo" (Evangelho de Lucas 9 verso 3). Um último detalhe sobre este Oráculo é que na entrada haviam duas esfinges, com patas de leão, corpo de touro, asas de águias e rosto humano, e esta também é uma referência bíblica, animais semelhantes aparecem no livro do profeta Ezequiel, capítulo 1 e no livro do Apocalipse capítulo 4, e no Apocalipse estes mesmos seres compostos de quatro partes, Touro, Leão, homem, e Águia, estão ao redor do trono de Deus.

Na segunda metade do livro existem outras relações entre "A História Sem Fim" e a bíblia, mas abordaremos mais adiante.

A Imperatriz Menina.

Como dissemos, Bastian acompanha seu Cristo "Atreiú", até que finalmente se rende ao fato de que o livro o convida para entrar na história, então ele dá um nome para a Imperatriz e a chama de "Filha da Lua". A partir dai Bastian se vê dentro do livro fazendo parte dele, e se depara com a figura da Imperatriz. Nossa conclusão é que ao acompanhar Atreiú, este o conduziu até a Imperatriz, de maneira que o Cristo proposto por Michael Ende é aquele que nos conduz até esta Imperatriz Menina, mas quem seria ela? Quem ela representa?

Acredito que ela represente a sabedoria, (como mencionei na postagem anterior a esta).

Sofia era a musa grega da "Sabedoria", ela era a personificação do conceito que envolve a ideia de "Sabedoria".
Quando lemos "A História Sem Fim" nos deparamos na primeira metade do livro com aquela tartaruga gigante, a tartaruga é um animal que vive muito, e a ideia é que ela represente o conhecimento acumulado, tanto que ela mesma diz para Atreiú, "Já vivi muito, e vi muita coisa". Ela acumulou conhecimento, mas ela é triste e depressiva, tanto que habita na pântano da tristeza, de maneira que toda a informação acumulada nada importa, e ela repetidas vezes dizia isto para Atreiú "nada importa".

Em seguida Atreiú vai até o Oráculo, ele é descrito como um ser vivo sem corpo físico, mas em forma versos e prosa. Ele representa a cultura, e suas diversas manifestações, o oráculo tem muito conhecimento mas é frágil e efêmero.

Mas finalmente quando Atreiú vai até a Imperatriz, curiosamente ela sabia de tudo, a peregrinação de Atreiú serviu apenas para trazer Bastian consigo. Mas ela não apenas sabe, ela também age com inteligencia e sagacidade. Então Atreiú peregrinou levando consigo Bastian, esteve no conhecimento e na cultura, mas ainda não era a sabedoria, mas a Imperatriz, esta sim é a sabedoria.

Sabedoria proposta pelos gregos antigos assim como na "História Sem Fim" é muito mais que o acumulo de conhecimento e cultura, é o despertar para algo mais profundo dentro de nós mesmos. Então dizer que Atreiú é um arquétipo de Cristo pode soar como uma terrível heresia, mas quando entendemos que Michael Ende estava tentando simbolizar que quando acompanhamos o Cristo (e isto é muito mais do que simplesmente participar de uma igreja), Ele nos conduz para um despertar mais profundo de nossas vidas, já não parece uma heresia , pois é a pura verdade.

Ela é a "Filha da Lua" porque é a luz que brilha na noite, luz na escuridão, que permite enxergar em meio a densas trevas. O livro retrata que ela também é conhecida com Senhora dos Desejos, pois quando se tem sabedoria pode conquistar aquilo que se quer. No medalhão dela está escrito "Faça o que quiser", não é nenhuma referencia ao livro do bruxo Aleister Crowley que diz: "faça o que tu queres", mas sim uma referencia ao fato de que a sabedoria nos liberta.

Ao entendermos isto, perceberemos a beleza da concepção de Michael Ende, se a Imperatriz que governa "Fantasia" é a "sabedoria" então a sabedoria é a a senhora das fantasias humanas, e se entendermos a sabedoria no conceito de ser uma busca por uma existência mais elevada, entendemos que esta busca é a soberana da imaginação humana.

Um dos detalhes é que em "A História Sem Fim" encontramos aspectos do imaginário de vários países e várias culturas, Atreiú por exemplo é quase um índio, enquanto o dragão da sorte é uma fantasia chinesa, e os gnomos são celtas, e por ai vai, destro da perspectiva que a sabedoria é senhora de toda a fantasia humana, em toda cultura, língua, ou nação.

Torre de Marfim

Talvez a melhor forma de compreender a Imperatriz Menina seja entender o simbolismo do lugar aonde ela vive. O livro descreve que a Imperatriz vive numa Torre de Marfim que fica no centro da "Fantasia".

Ocorre que o termo é muito usado em meios acadêmicos como um lugar aonde os intelectuais se reúnem para debater assuntos diversos, livres das preocupações do dia a dia. Já no Inglês estadunidense a expressão "Torre de Marfim", "Ivory Tower" em geral é usada para designar o ambiente acadêmico e instituições de ensino superior.

A "Torre de Marfim" também aparece na "Iliada" de Homero, como sendo a porta dos sonhos inverossímeis, o que faz todo sentido na visão dela como o palácio central de "Fantasia".

Contudo acredito que a grande referência a "Torre de Marfim" seja a menção dela num dos livros da bíblia. Mas para entendermos este significado temos que primeiro entender um pouco mais sobre a figura histórica do rei Salmoão.

Salomão foi rei em Israel e governou seu pais por quarenta anos, ele compôs alguns dos livros que fazem parte da bíblia, em seu tempo ele foi considerado o homem mais sábio, sua sabedoria era fruto de uma busca espiritual, ele pedia a Deus para ser sábio. Por conta desta sabedoria ele prosperou tanto como homem de negócios como também na condição de governante.

Salomão era apaixonado por uma mulher chamada Sulamita, e muitos estudiosos creem que foi esta mulher que o inspirou, era ela que despertava em Salomão o desejo pelo crescimento pessoal, psíquico  e espiritual, ela foi sua musa que despertou nele o desejo de ser um homem sábio. O próprio Salomão deixa transparecer que ele confundia a sabedoria com sua amada, no livro de bíblico de Provérbios por exemplo no capítulo 9, ele diz que a sabedoria já preparou a casa e deu ordens as criadas. Fica evidente que ele está associando sua amada como sendo a personificação de sua busca por uma vida mais plena.

Pois bem, quando eles se casaram, Salomão escreveu para ela um poema que hoje faz parte da bíblia, é um pequeno livro chamado "Cântico dos Cânticos", neste livro encontraremos a seguinte inscrição: "Teu pescoço é como a Torre de Marfim" (Cântico dos Cântico capítulo 7 verso 4). O pescoço dela era a "Torre de Marfim" nobre, elegante, precioso, e sustentava sua mente brilhante. Seria esta a mesma torre da História Sem Fim?

Ocorre que no final do capítulo X na História Sem Fim, encontramos a narrativa de que quando Bastian lia sobre a Imperatriz, ele teve uma visão dela, não apenas a imaginou, mas literalmente a viu, notou sua beleza extrema, seu olhar profundo, e sua cabeça sobre um delicado pescoço. A pequena referência ao pescoço creio ser a dica de que a Imperatriz do livro tem a mesma perspectiva do poema de Salomão, ela é a personificação de uma busca pessoal por uma vida mais elevada.

Ela vive no topo da torre de Marfim, é cabeça da musa que desperta um desejo de uma vida mais evoluída.

Gmork

Como dissemos, antes de chegar até a Imperatriz "Atreiú" caiu de seu dragão e teve que se deparar com um lobisomem imenso, este ser perseguia Atreiú para tentar mata-lo durante sua peregrinação pela cura da Imperatriz.

Quando Atreiú tenta voltar para a Imperatriz, fortes ventos o derrubam de cima de seu dragão voador, ele acaba numa cidade abandonada pois seus moradores foram tragados pelo "Nada", nesta cidade Atreiú encontra este Gmork acorrentado, a mulher que governava aquele lugar conseguiu prende-lo para que Atreiú pudesse continuar sua jornada e tentar salvar "Fantasia".

Deste encontro surge um diálogo fantástico aonde Michael Ende expõe várias de suas convicções. Antes de morrer o monstro diz para Atreiú que estava la exatamente para mata-lo pois era servo dos senhores das trevas que estão por trás do "Nada". Atreiú pergunta o que é o "Nada", então o monstro diz que o "Nada" é o vazio do coração dos homens, e as forças das trevas preferem pessoas vazias pois são facilmente manipuladas. Depois ele diz para Atreiú que cada ser de "Fantasia" que cai no "Nada" se transforma numa mentira a serviço deste mesmo vazio.

Então Michael Ende vê que o mal existe, mas ele age bem diferente da forma como imaginamos, sua principal estratégia é a futilidade, e o vazio na alma, creio que dentro da mesma visão que mencionei de Tolkien que entendia que sonhar era algo divino pois o criador sonhou conosco antes de nos conceber, então o lúdico é divino, a falta dele é demoníaca. Uma curiosidade sobre isso é que Jonh Wesley, fundador da igreja Metodista tem um excelente livro aonde defende exatamente esta ideia de que o grande objetivo das forças das trevas era gerar corações vazios

Dizer que a "Fantasia" a serviço do "Nada" se transforma numa mentira, primeiro estabelece uma relação com a perspectiva bíblica do próprio diabo, pois Jesus chama ele de "Pai da Mentira", seria mais um link que Michael Ende faz com a bíblia; além disto esta afirmação traz consigo a ideia de que as pessoas vazias também fantasiam, pois isto é natural do ser humano, mas neste caso suas fantasias são mentiras contadas para si mesmas ou para a sociedade, a fim de perpetuar sua falta de conteúdo.

Ao final o monstro morre de fome, pois estava preso a muitos dias sem comer nem beber, e uma curiosidade sobre esta área do livro é que esta foi uma das áreas aonde o filme produzido em 1984 mais pecou na visão de Michael Ende, pois no filme Atreiú mata o monstro, e não era assim no livro, e isto foi uma deturpação terrível na visão do autor pois na peregrinação de Atreiu ele não podia levar armas consigo, era uma peregrinação pacífica.

Bastian Balthazar Bux

Cientes da genialidade de Michael Ende, evidentemente que todos os nomes que aparecem no livro tem algum significado, falamos sobre Atreiú e sobre os nomes da Imperatriz, faltando ainda o nome de Bastian.

Bastian deriva de Sebastian (no Português Sebastião), que foi um importante cristão dos primeiros séculos, que foi morto por ordem do Imperador Diocleciano. a despeito do sincretismo católico aonde ele é santo, seu grande legado foi a defesa da humanidade e da divindade de Jesus, entendendo as duas naturezas do Cristo, isto porque na época surgiram seitas questionando a divindade da pessoa de Jesus. Dai surgiu o termo Bastião, como sendo alguém que defende, isto é, alguém que protege, pois Sebastião foi famoso foi um protetor da fé cristã. Então Bastian é bastião, no sentido de protetor, e faz sentido como ele sendo protetor de "Fantasia".

Balthazar vem de Beltsazar, nome bíblico de um dos companheiros de Daniel que foi colocado numa fornalha por não abrir mão de sua fé, Beltsazar mesmo tendo sido colocado na fornalha não morreu, e nem sequer se feriu, isto lhe rendeu o respeito mesmo do imperador pagão. O nome Baltazar também aparece numa lenda como sendo um dos réis magos que foram ver o menino Jesus, (digo lenda porque no registro da bíblia não foram anotados os nomes daqueles reis).

Por último Bux é um prefixo que aparece tanto no Alemão como no Inglês e como no latim, em todos estes idiomas tem a ideia de crescimento. Atualmente Bux é usado em sites de marketing que gerenciam publicidade dentro da própria rede, e também na internet ele surge como conceito de crescimento e prosperidade.

Creio que a ideia deste nome seria algo como alguém que protege, enfrentando dificuldades para crescer e se desenvolver.


O AURIN

Resultado de imagem para A história sem Fim O livroO Símbolo do AURIN originalmente na primeira edição do livro era diferente, o simbolo que foi popularizado é o do filme que surgiu depois, originalmente eram duas cobras em formato circular, uma mordendo a cauda da outra.

No filme ele foi alterado para o as duas cobras entrelaçadas que antes de morderem a cauda uma da outra formam o símbolo do infinito conforme a imagem que coloquei no início do texto.



Resultado de imagem para ouroborosTudo leva a crer que Michael Ende idealizou um símbolo parecido com o o símbolo do Ouroboros, mas um poudo diferenciado aonde são duas cobras e não apenas uma.

Ouroboros hoje é muito usado no esoterismo e no movimento "Nova Era" e muito associado a magia e ocultimo, contudo originalmente ele é um símbolo grego que procura trazer a ideia de que alguém está mergulhando em si mesmo para crescer, evoluir e adquirir sabedoria. E seria mais uma prova que a Imperatriz é a personificação do conceito de sabedoria como uma proposta de vida mais elevada.

O fato do no AURIN serem duas cobras e não uma como no Ouroboros, pode indicar que na visão de Michael Ende esta viagem para dentro de si em busca de uma elevação da consciência não pode ser uma viagem solitária, então vejamos que no caso de Bastian ele foi acompanhado por Atreiú que é uma metáfora de Cristo, talvez então Michael Ende tenha alterado o Ouroboros desenhando-o com duas cobras ao invés de uma, para dar a perspectiva de que a viagem para o auto conhecimento deva ser acompanhada por sua experiência transcendental com o Cristo.

A Segunda Metade da "História Sem Fim"

A partir do capítulo XIII, a segunda parte da "História Sem Fim" é bem diferente, pois a partir daquele momento Bastian estará dentro do mundo de "Fantasia".

Ele se torna uma pessoa diferente, não é mais tão gordo nem tão desajeitado, ele se torna corajoso e sua atitude muda bastante. Além disso ele carrega no peito o medalhão da Imperatriz que antes era carregado por Atreiú.

Mas Bastian pouco a pouco começa a mudar seu caráter, e quando mais ele vive aventuras dentro de "Fantasia" mais ele se esquece de quem era, e para cada desejo seu que se torna realidade, uma das suas memórias se perde, Acredito que Michal Ende está nesta segunda área, tentando nos trazer a ideia que após despertar para uma perspectiva diferente na vida, é como um novo nascimento, uma nova criatura, que por sinal é outra ideia bíblia. Mas esta nova criatura que descobre a sabedoria, precisa evoluir e se desenvolver, agora é um processo de aprendizado e auto conhecimento. Contudo existe um grande perigo, as vezes o progresso pessoal que conquistamos nos faz perder de vista nossa essência, e creio que é neste aspecto que Bastian aos poucos vai se perdendo dentro de "Fantasia".

A Imperatriz abriu a possibilidade de Bastian ser diferente e realizar seus sonhos, isto é, agora que ele percebe que pode tornar sonhos em realidade, ele precisa descobrir o que realmente quer da vida e este também é um aprendizado que passa inclusive pelo auto conhecimento. Seria mais ou menos como dizer que "quem sou está intimamente ligado com o aquilo que mais quero". A propósito o personagem do capítulo XV é um "Leão Multicolor" que fala exatamente isto para Bastian, a grande questão é exatamente saber o que realmente se quer, se ele perder de vista o que realmente deseja, perderá a si mesmo, e toda a viagem de auto conhecimento que proporcionou a ele uma mudança, terá sido perdida.

Nos capítulos XVI e XVII, finalmente Bastian encontra Atreiú, eles se tornam amigos e Atreiú deseja orienta-lo para que ele volte para seu mundo. Enquanto peregrinam por "Fantasia" Atreiú percebe que Bastian não sai de "Fantasia" porque na verdade ele não deseja sair de la, e começam a surgir atritos entre eles, pois Atreiú entende que Bastian está mudando seu caráter.

Após saírem da cidade de "Amargante" que celebrou a Bastian como o "Salvador" de "Fantasia", Bastian Atreiú e mais três valentes começam a peregrinar por "Fantasia" e Bastian faz esta jornada montado numa mula.

Mais uma vez referências bíblicas, Bastian sendo chamado de "Sanvador" e peregrinando montado num jumentinho, fica claro que é outra referência a pessoa de Cristo, mas agora o Cristo proposto por Michael Ende seria Bastian? Sim, ele se tornou o "Salvador" daquele mundo. Mas isto também está em conformidade com a bíblia, Cristo diz que se estivermos com Ele seremos "um com Ele", e a própria palavra "cristão" significa ter a mesma identidade de Cristo. Tanto é assim que o texto bíblico de Atos Dos Apóstolos, capítulo 9, narra que quando Cristo apareceu para Paulo no caminho de Damasco para confronta-lo por ele perseguir e matar os cristãos, Cristo pergunta para Paulo "Porque me persegues?" o que obviamente denota que Ele se vê em nós.

Contudo no correr da jornada Atreiú percebe as mudanças de comportamento de Bastian e começa a tentar orienta-lo, o que seria outra perspectiva do Cristo. O cristão assume a identidade do seu Senhor, e no correr de sua jornada Ele intervêm quando corremos o risco de perder nosso rumo.

Mas Bastian perde completamente sua essência a partir do capítulo XX, neste capítulo ele luta contra uma terrível feiticeira chamada Xayíde, Bastian e Atreiú a vencem mas ela se aproveita o fato de Bastian estar perdendo sua essência e estar cada vez mais vazio e o manipula, de maneira que ele se recusa a ouvir os conselhos de Atreiú e o despede de forma rude, em seguida ele continua seguindo para a Torre de Marfim mas não quer mais andar sobre a mula, troca a montaria da mula pela tenda da feiticeira. 

Novamente Michal Ende de forma genial tenta demonstrar que ao deixar ser tomado por sua vaidade  e por sua necessidade de auto afirmação, Bastian está se afastando do Cristo, e deixar de montar aquela mula é uma clara referência de que ele perdeu sua identidade com seu Senhor. Isto que Michael Ende descreve é a realidade de muitos que em Jesus encontraram uma perspectiva mais elevada para suas vida, mas depois se deixaram seduzir. 

Finalmente no capítulo XXII chegamos ao momento mais fantástico de todo o livro (obviamente está é uma opinião pessoal). Quando Bastian chega a Torre de Marfim a Imperatriz está ausente, e ninguém sabe ao certo para onde ela foi, Bastian então seduzido pela bruxa Xayíde resolve tomar o lugar dela, e se auto proclama "Imperador Criança" de "Fantasia". É o momento máximo de todo seu devaneio de vaidade e ego exacerbado, querer se tornar a própria "Sofia".

Atreiú então reúne um exercito e luta contra Bastian, é a visão do Cristo segundo Michael Ende lutando contra seu discípulo e amigo para trazer-lhe novamente a sanidade. Penso que o autor ilustrou o que realmente acontece conosco, por vezes perdidos em nossa vaidade e nossos devaneios nos tornamos inimigos de quem nos salvou, e como amigo fiel que é, Ele luta conosco, não para nos destruir, mas para nos salvar, vejamos a transcrição de livro: "Atreiú não lutava por si, e sim por seu amigo, a quem queria vencer para poder salvar".  


O Final do livro é surpreendente, (como não poderia deixar de ser) Atreiú leva Bastain para um lugar aonde estão as "Fontes de Aguas da Vida" que por sinal é outra referência bíblica que vincula Atreiú com Cristo. No texto do Apostolo João, Jesus afirma que quem crer Nele, "rios de águas vivas fruirão de dentro do ventre" (Evangelho de João Cap 7 verso 38).

Só então Bastian conseguiu sair de "Fantasia", mas ele voltou diferente, entendia o que realmente queria, e entendia o que realmente importava, conseguiu se reaproximar de seu pai. e por fim ele reencontra o dono da livraria de onde roubara o livro, ao que o homem lhe fala que cada pessoa que abrir este livro, vai encontrar uma história diferente, é uma viagem pessoal e única.

Considerações finais

Talvez não hajam considerações finais para uma História Sem Fim. O livro apresenta uma perspectiva diferente da experiência cristã, que para muitos é uma heresia, mas para outros é a verdadeira essência do cristianismo, pois a proposta de Jesus era trazer o ser humano para uma consciência elevada, além é claro de reaproxima-lo do seu criador. Nesta perspectiva ele se permite fantasiar, crendo que sua fantasia não fere sua fé, muito pelo contrário, ela a constrói.

Se estou certo na minha interpretação? Não sei, na verdade nem sequer dá pra se dizer com segurança que Michael Ende era cristão, ele era uma pessoa extremamente reservada, raramente compartilhava suas particularidades, a única vez em que realmente ele se expôs foi quando foi para a mídia protestar contra os filmes da trilogia "A História Sem Fim" pois usavam o nome mas desvirtuavam por completo sua obra. Apesar de não declarar sua fé de forma explicita, uma coisa é evidente, Michael Ende conhecia a bíblia como poucos. Outra curiosidade sobre a fé de Michael Ende foi que seu pai, como dissemos, era um pintor surrealista, e certa vez seu pai pintou Michael ainda jovem com uma inscrição ao seu lado, a inscrição era um texto bíblico "lembra-te de mim quando entrares no seu reino" (lucas 23:42).

Mas como disse, talvez esta minha interpretação, seja reflexo de quem sou, e da minha vivência como cristão, e talvez, como disse o personagem dono da livraria, cada pessoa entende o livro de forma diferente.

É uma viagem bastante subjetiva e só  me resta fazer o convite para que leias este livro, deixe ele falar contigo, e quem sabe você também fará parte desta História Sem Fim.


2 comentários:

  1. Bom dia, levei um tempinho pra ler tudo e achei muito legal. Essa questão de interpretação do livro é realmente muito aprofundável, também tentei interpretá-lo e saiu um resultado diferente do seu. Outra coisa que achei bem legal foram as referências que você ia dando na na construção do texto. Mas enfim, ótimo trabalho e continue assim.

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