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quarta-feira, 17 de junho de 2015

Jesus e a Individualidade

Muitos vêem na mensagem de Jesus uma negação ostensiva da individualidade, baseados na visão do Cristo sobre o amor, quando Ele descreve o amor como sendo a negação de si mesmo, Jesus também menciona "negar-se a si mesmo" como pré-requisito para que possamos segui-lo.

Negar-se parece ser uma condição para que sejamos autênticos cristãos, mas é um equívoco pensar que Jesus rejeita o valor da individualidade, o valor do auto conhecimento, e a valorização do "Eu". Na verdade um dos mais belos textos bíblicos pode ser encontrado no "Evangelho Segundo Mateus" no capítulo seis, exatamente quando Jesus defende os valores da individualidade do ser humano.

Infelizmente parece que a percepção deste aspecto no texto passa desapercebida, isto porque é na sequência deste texto que encontramos a famosa oração do "Pai Nosso" e parece que todos os olhares, mesmo a dos teólogos renomados, se volta para desvendar unicamente o conteúdo desta famosa oração, sem se dar conta que tal oração surge mediante um belíssimo discurso onde Jesus defende o valor de nossa individualidade.

Contudo se observarmos atentamente perceberemos a riqueza e a beleza desta mensagem neste aspecto, e percebermos também que na visão espiritual preconizada pelo Cristo, existe sim espaço e valor para uma perspectiva de vida mais intima, pessoal e particular, e que no contexto desta perspectiva surge o auto conhecimento, como consequência de uma experiência espiritual pessoal e intransferível.

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O discurso de Jesus começa com duras críticas a hipocrisia da sociedade. Ele protesta contra esmolas que são dadas com o intuito de auto propaganda. É quando fazemos algo com o intuito de sermos vistos porque queremos parecer pessoas boas. É aquele famoso processo de auto afirmação, e marketing pessoal aonde muitas vezes nos promovemos tentando mostrar aquilo que não somos.

Enquanto critica duramente esta prática social Jesus nos convida a rejeitarmos veementemente tal atitude. Creio que na perspectiva preconizada pelo Cristo existe a rejeição desta hipocrisia social, afirmando que a plenitude de nossa individualidade passa necessariamente pela negação total da falsidade.

"Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus.

Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão.


Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita;

Para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente.



Em seguida Jesus afirma que as orações carregadas de hipocrisia são desprezadas por Deus, isto porque Deus rejeita esta hipocrisia social, e nossa relação espiritual deve ser sincera e absolutamente verdadeira.

Na verdade muitas vezes a religião faz parte deste processo de formação de um alter ego, onde procurarmos nos auto afirmar como aquilo que não somos, e tentamos nos promover através da fé.

Neste sentido pensamos em nossa fé como moeda  de troca com o transcendente, como se disséssemos que por sermos pessoas tão boas nossas orações não podem ser ignoradas. Contudo Jesus afirma que Deus nos despreza quando agimos assim, pois o criador rejeita este jogo de cena.

A hipocrisia então se torna um fator que nos afasta do espiritual além de nos afastar de nós mesmos, porque neste jogo de cena, o que menos importa é nossa real identidade,

E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão". Mateus 6:1-5 


Achamos graça quando uma criança expressa o que sente sem nenhuma cerimônia. A maturidade deveria nos ensinar que quando não podemos expressar o que realmente pensamos ou sentimos, deveríamos nos calar, mas o mundo nos ensina a falsificar sentimentos, emoções, e pontos de vista. Talvez por isto que Jesus tenha afirmado que para ver o reino de Deus precisamos nos tornar como crianças.

Infelizmente aprendemos desde cedo em nosso convívio social que não importa quem realmente somos, mas quem parecemos ser. E este é um processo lento e gradativo que culmina no pior momento quando mentimos para nós mesmos, até mesmo o poeta pop dos anos 1980 já dizia que "mentir para si mesmo é sempre a pior mentira".

Mas Jesus vai além, Ele não apenas rejeita esta hipocrisia como também deixa claro que este processo nos afasta do auto conhecimento, no sentido de que a verdadeira individualidade passa necessariamente pela sinceridade absoluta. 

Talvez Jesus estivesse tentando dizer que se entrarmos neste jogo de cena que a sociedade nos ensina perderemos o melhor de nós, e quando falsificamos nosso eu, perdemos a maravilha da experiência real da vida, e talvez percamos de vista quem realmente somos. Isto até me faz lembrar do último livro escrito por Umberto Eco, "O Cemitério de Praga" que conta sobre um espião falsário que fingiu ser tanta gente que não sabe mais ao certo quem realmente é. 

"Mas tu, quando orares, entra no teu quarto, e fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente". Mateus 6:6

A privacidade surge na sequência, após a rejeição completa das mentiras sociais Jesus diz que devemos entrar no nosso aposento e fechar a porta. Contudo a privacidade perdeu seu valor nestes tempos de Internet, sites de relacionamento, e messengers em aparelhos de telefonia móvel. Um tempo aonde conversamos com um mundo na palma da mão enquanto quem está ao nosso lado passa desapercebido.

A cyber geração não sabe o que é privacidade, não sabe o que é um momento só seu, compartilham tudo a respeito de si, e isto talvez porque querem tanto viver seu alter ego, e querem tanto ser quem dizem ser, que procuram viver escondidos de si mesmos na virtualidade eletrônica, procurando estar "on line" o tempo todo para estarem o tempo todo numa vitrine. Nesta vitrine virtual precisam manter vivos 24hs por dia suas mentiras sociais, como quando repetimos uma mentira na esperança que ela se torne verdade.  

Neste contexto não há espaço para um momento sozinho com a porta fechada, desconectado do mundo ao seu redor, pois este momento seria terrível, um momento que não poderíamos teatralizar a vida, isto nos aterroriza, afinal quem quer realmente saber o que é a vida fora do palco virtual?

Mas Jesus nos convida a viver quem realmente somos, sem teatros, sem representações, sem postagens cheias de sorrisos quando não forem verdadeiros. 

Fecha a porta disse Ele. É um momento sem contato externo, seja físico ou virtual, não importa, seja capaz de estar a sós consigo mesmo. Penso que na proposta de Jesus ele defende que se superarmos a hipocrisia e formos capazes de sermos nós mesmos, e vivenciarmos uma autenticidade constante, poderemos fechar a porta de nosso aposento, não há o que temer.

"Entra no teu quarto e fecha a sua porta". Estaremos sozinhos? Não.Existe um Pai que te vê em secreto. O momento só seu deve ser um momento espiritual.

Penso que Jesus está nos dizendo que vivenciar momentos de solidão em busca do auto conhecimento e da individualidade são necessariamente momentos espirituais. A busca pelo seu "Eu" é uma busca espiritual.

"Teu Pai que te vê em secreto" surge como uma proposta onde Deus nos acompanha pela busca interior. Sem esquecer que primeiro precisamos nos livrar da hipocrisia para num segundo momento construirmos uma experiência de auto conhecimento ajudados por Deus. 





"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, 

que pensam que por muito falarem serão ouvidos.

Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, 

antes de vós lho pedirdes". 
Mateus 6:7,8


Sendo este momento algo verdadeiro, e íntimo, a oração surge como um diálogo, entre você e Deus, e você e si mesmo, e desta forma não há espaço para rezas ou frases pré moldadas.

Neste momento o Criador também rejeita discursos prontos e palavras que sejam ditas a exaustão, como aquelas mentiras que são contadas repetidamente para que acreditemos que são verdades. Este é o momento onde precisamos revelar nossa alma.

Curiosamente Jesus diz que Deus sabe o que precisamos, como se dissesse que Ele sabe exatamente quem somos, então porque precisamos revelar o mais profundo de nossa alma? 

Precisamos revelar o mais profundo de nossa alma, não para Ele, mas para nós mesmos. Como disse, é o auto conhecimento vivenciado a partir da experiência espiritual.

Jesus então conclui o seu belíssimo discurso sobre a valorização do "eu" com a oração do "Pai Nosso" que surge como o coroamento do auto conhecimento. O Pai que é meu em secreto, também é o Pai de todos nós, e que respeita e valoriza quem somos em nossa individualidade, mas rejeita a falsificação que muitas vezes fazemos de nós mesmos.


Portanto, vós orareis assim: 

Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;

Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;

O pão nosso de cada dia nos dá hoje;

E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores;

E não nos deixeis cair em tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém. 
Mateus 6:9-13









3 comentários:

  1. Que texto fantástico ! Que revelação profunda ! Deus continue abençoando!

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  2. Obrigado meu irmao. Digitei: "a individualidade em Deus" para encontrar algo sibre como somos únicos. Criados únicos e yratados individualmente por Deus. Aí, aoarece esse texto maravilhoso. Que Deus o abençoe

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