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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

A Hipocrisia da Retórica Existencialista de Heidegger e Sartre

Após a segunda grande guerra dois grandes pensadores revelaram ao mundo aquilo que ficou conhecido como o pensamento existencialista, se bem que ambos já haviam produzido vasto material antes, e mesmo durante aquele terrível conflito, todavia foi no período do pós guerra que a voz de ambos ecoou com muito vivacidade.

Jean Paul Sartre e Martin Heidegger deram notoriedade ao existencialismo a partir de 1950, sendo  Heidegger mais velho já havia conquistado notoriedade mesmo antes da guerra, Heidegger por sinal produziu um excelente texto sobre como Platão percebia a "Verdade" a partir da narrativa conhecida como "O Mito da Caverna" presente no texto "A República". Esta obra de Heidegger se chama "A Doutrina de Platão Sobre a Verdade" e foi escrito em 1942 no auge do avanço nazista pela Europa. Desta maneira, Heidegger tendo nascido 1889 desenvolveu uma forma de pensar que Sartre nascido em 1905 deu continuidade e desenvolveu até seu auge em 1964 quando Sartre ganhou o prêmio nobel de literatura.
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Jean Paul Sartre

Contudo o que vemos primeiramente em Heidegger e na sequencia em Sartre é uma releitura mais suavizada das ideias que anteriormente tinham sido preconizadas por Nietzsche. Há que se perceber que o meio acadêmico filosófico nunca teve coragem e a ombridade de fazer uma "mea culpa" em relação a toda a desgraça que se abateu na humanidade com o advento da segunda grande guerra, isto porque ninguém admite mas foram os ideais supremacistas que Nietzsche preconizava que respaldaram o ideal nazi-fascista e ainda diametralmente oposto, o mesmo ideal supremacista percebe esta perspectiva no ideal do marxismo-stalinista. Então temos milhares e milhares de mortos respaldados por uma perspectiva do pensamento filosófico e ao invés de uma "mea-culpa" os filósofos propuseram o existencialismo, que seria o mesmo que Nietzsche suavizado.

Muitos dizem que vincular Nietzsche ao nazismo é um erro, pois para os defensores de Nietzsche os escritos do pensador da Baviera foram distorcidos para que pudessem dar respaldo ao nazismo, mas existe um texto muito bom mostrando que não foi bem assim que aconteceu, não é necessariamente um livro sobre o filósofo alemão mas é sobre o nazismo, e neste texto o autor faz uma explanação perfeita sobre como o nazismo buscou fundamentos nos escritos de Nietzsche, o nome do livro é "Ascensão e Queda do Terceiro Reich" escrito por William Shirer. Nesta obra Shirer que foi um grande jornalista testemunha do nazismo, descreveu como o que fora dito por Nietzsche entrou na mente do povo, e povo Alemão acreditava piamente que Hitler era o seu Super Homem, ou seu Übermensch (além do humano) conforme preconizava o texto de Nietzsche "Assim Falou Zaratrusta".

Nietzsche acreditava que o homem precisaria negar a existência de um ser superior para se tornar um homem evoluído, o novo estágio do processo evolutivo onde o ser humano seria seu próprio Deus. E não foi apenas o nazismo que encampou esta ideia, o comunismo russo, também encampava esta teoria, a proposta stalinista era gerar um novo homem, além das limitações impostas pela fé num ser superior e pelo capital industrial.

Já vivendo  perspectiva do fracasso e da destruição causadas por Hitler, surge Heidegger dizendo que o ser humano é um "ser que caminha para a morte" e a relação que cada um de nós tem com a existência se baseia a partir das preocupações e das angústias geradas pela conhecimento de sua própria condição finita, além disso o ser humano vivencia esta dimensão de preocupação e angustia mediante o constante ambiente permeado pela culpa e quanto a isto Heidegger compartilha das mesmas críticas que Nietzsche fazia contra as igrejas e os cristãos. Heidegger então defende que o homem precisa dar um salto, fugindo de sua condição para atingir seu verdadeiro "eu". Num resumo muito simplista Heidegger parece fazer um compêndio juntando o pessimismo de Schopenhauer com as ideias de evolução segundo Nietzsche.

Sartre prosseguiu desenvolvendo estes mesmos conceitos. Sartre então parte do pressuposto que o ser humano é o único animal deste planeta que pode deliberar sobre si mesmo, somos os únicos que podemos deliberar sobre quem somos e o que somos. De fato Sartre desenvolveu de forma sublime este raciocínio afirmando que o homem define a si mesmo, Sartre é o suprassumo da liberdade, ele entende que a escolha sobre a própria vida determina quem de fato somos, e esta condição é exclusiva do ser humano.

Sartre de fato é sublime, mas ele peca negligenciando a base para que esta liberdade seja exercida, isto é, só posso deliberar sobre quem quero ser, se primeiro souber quem sou, isto porque não se pode construir nada sem uma base, é como se tentasse construir um prédio sem a fundação. A base para que se possa construir este homem livre está no autoconhecimento, e isto foi ignorado por Sartre.

Isto faz de Sartre uma falácia, não existe uma construção de si mesmo sem que se conheça a si mesmo, o homem precisa confrontar seu próprio "eu" para que possa reconhecer seu "eu" e só então terá condições para definir seu "eu". Todos eles, Nietzsche, Heidegger, Sartre, e tanto outros parecem ignorar que o homem precisa confrontar a verdade sobre si mesmo para que possa evoluir.

Isto nos remete a Jesus Cristo, ainda que não necessariamente vinculado ao cristianismo, isto é, não se trata de uma pregação cristã, mas apenas da constatação de que a mensagem de Cristo já nos alertava para o fato de que o homem só pode se desenvolver a partir do momento em que conhece a si mesmo, a "verdade vos libertará", dizia o Cristo da Galileia, é a verdade sobre si mesmo que pode dar ao ser humano a real dimensão sobre sua condição e a partir dai poder escolher quem seria como dizia Sartre.

Mas muito antes de Jesus, Sócrates já dizia que a verdade é nosso maior patrimônio, ela nos revela para nós mesmos, e sem ela não podemos deliberar sobre quem decidiremos ser. Antes de ser morto Sócrates disse para seus acusadores que atormentassem seus filhos como ele atormentou a sociedade ateniense caso seus filhos preferissem honrarias e dinheiro, a verdade.

Observe, mesmo sendo cristão não estou argumentando dentro da ótica da sistemática da fé cristã, mas meu argumento se restringe ao pensamento de Jesus de Nazaré, independente de sua missão salvífica, e o pensamento de Jesus foi compartilhado por vários pensadores não cristãos, como mencionei acima, muito do discurso de Jesus encontra paralelo naquilo que disse Sócrates conforme nos transcreveram Platão e Xenofonte.

O que está em discussão é um dualismo que podemos resumidamente apresentar como sendo de um lado Sócrates, Jesus, e muitos outros, que entendem que o ser humano deve ter antes de tudo humildade para reconhecer suas limitações e assim confrontar a verdade sobre si mesmo, e isto lhe possibilitará crescer e evoluir como ser humano, Jesus encampou esta ideia a tal ponto que chegou a  dizer que os últimos serão os primeiros e aqueles que a si mesmo se exaltarem serão humilhados, mas o que a si mesmo se humilhar será exaltado; de outro lado em contraponto a esta ideia temos aqueles  como Nietzsche,  e Sartre que creem que o homem deve autoafirmar sua superioridade, precisam proclamar a si mesmos como seres que determinam sobre suas próprias vidas, e portanto precisam desesperadamente negar a existência de um Deus, porque a necessidade dos mesmos de autoafirmar sua superioridade pressupões que não exista um Deus que está acima deles. Portanto não se trata nem mesmo de um ateísmo convicto por conta de questões científicas, mas de um ateísmo que nasce da necessidade destes de autoafirmar a si mesmos como sendo evoluídos, e para estes, aquilo que poderia ser visto como uma autoanálise e uma libertadora autocrítica, é visto como a culpa que destrói a identidade a potência de agir.

Sendo assim, mesmo mediante ao desastre que esta ideia de autoafirmação gerou e mediante todo o estrago causado pela segunda grande guerra, os mesmos sofistas modernos nunca tiveram a ombridade de reconhecer este fracasso, algo muito semelhante ao que acontecia nos tempos de Sócrates, na época os sofistas diziam-se os mais sábios quando nada sabiam, enquanto Sócrates era o mais sábio porque reconhecia nada saber. Mas incapazes desta autocrítica, os pensadores que insistem desesperadamente em  negar a Deus para poder autoafirmar sua condição, se reinventaram em Heidegger e Sartre, e a isto chamamos de existencialismo, que nada mais é que a mesma retórica falaciosa incapaz de perceber a necessidade de uma autocrítica libertadora.

Eles estavam tão desesperados por negar a Deus, que não tiveram a capacidade de reconhecer que o super homem de Nietzsche estava equivocado, porque antes do homem estar além do homem, precisa primeiro reconhecer sua condição de homem.

2 comentários:

  1. Sábias palavras. Vou refletir mais a respeito.

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  2. De minha parte nao vejo antagonismo entre o existencialismo e o cristianismo. O que vejo é a filosofia de Heidegger (sobretudo) laicizar o problema do pecado, do afastamento do homem da de Deus (ou seja, a nao trascendência, o permanecer no imanente, contigente e finito). Ou seja, ao laicizar a condiçao existencial do homem - que vive, nesse contexto, uma vida inautêntica, o existencialismo coloca - nesse passo, corretamente - a questão chave, fundamental da vida humana: como transcender ? como podemos nos realizar, maximizar nossos elementos demasiadamente humanos, nada obstante as condicionantes sociais que padronizam ( de forma hipocrita, para dizer o mínimo) as formas de se realizar, de ser aceito socialmente ? Essas demandas nao sao respondidas pela filosofia existencialista, quer de Heidegger, quer de Sartre (nada obstante seu texto sobre o "Humanismo" ). Haveria muito que escrever aqui sobre essa passo ao homem autentico que o cristianismo propicia e dá o "suspiro à criatura oprimida". Todavia, creio ter pontuado alguns aspectos que devam merecer reflexão por parte dos leitores desse rico site. Abraços

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