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domingo, 27 de janeiro de 2013

A doutrina da "Graça" e suas implicações espirituais.

O real significado da "Graça"
Conforme nosso idioma empobreceu perdemos o significado de algumas palavras que são carregadas de ideologias. Este é o caso da palavra "Graça".

Hoje em dia quando pensamos em "Graça" o que vem a nossa mente é o que é "de graça", ou "gratuito" ou quando chamamos uma criança bela de "gracinha", "Graça" também como sinônimo de coisa hilariante, que faz rir, e o oposto "Sem Graça" virou a falta do motivo do riso.
Este empobrecimento do idioma e a perda do significado da "Graça" gerou um grande problema para o cristianismo, porque este é um
conceito extremamente importante dentro da fé cristã. Basta lembrarmos que a reforma protestante foi deflagrada quando o então monge católico Martinho Lutero leu sobre a "Graça de Deus" no texto de Paulo aos Efésios capitulo dois verso cinco aonde está escrito "pela graça sois salvos". Isso mexeu tanto com a mente de Lutero que fez com que ele repensasse todos os valores religiosos defendidos pelo catolicismo.
Mas afinal o que é "Graça"?
O real sentido de "Graça" costuma ser definido como "quando recebemos alguma dádiva sem merecer", mas mesmo esta definição é muito pobre, pois "Graça" é um conceito que vai além disso. "Graça" tem a ver com a ideia que surge quando constatarmos que recebemos dádivas  não porque pagamos por elas, mas por que quem nos deu é bom e haje bondosamente para conosco.
Então "Graça" é o exercício de bondade e generosidade que independe do merecimento ou pagamento. 
A "Graça" é livre do desejo de qualquer recompensa. Não podemos considerar como sendo "Graça" quando pagamos por algo ou agimos visando recompensa.
Sendo assim, "Graça" é aquela bondade pura, que brota do fundo da alma, é aquela generosidade que não se manifesta por causa de segundas intensões ou por causa da vaidade, é aquela demonstração de amor puro, é a demostração absolutamente sincera de carinho cuidado e afeto.
"Graça" é um conceito tão importante que aparece em todos os idiomas do mundo, e pode ser sempre encontrado nos antigos textos gregos. 
Na cultura dos antigos Judeus a "Graça" é tão importante que no hebraico existem três palavras para expressar a "Graça" e mais adiante veremos seu significado desdobrado nestas três palavras. Na Bíblia ela está muito presente tanto no Antigo Testamento que foi escrito em hebraico, como no Novo Testamento que foi todo escrito em grego.

A "Graça" de Deus presente nos homens
Na visão doutrinária da bíblia, Deus é apresentado como fonte da "Graça" isso porque o amor que Ele demonstra é puro, e isto fica evidente na pessoa  de Jesus Cristo, que mesmo sendo extremamente poderoso, agiu bondosamente com todos necessitados que o procuravam. 
O apostolo João conta no seu evangelho (João cap. 6) que quando Jesus multiplicou pães e alimentou mais de cinco mil pessoas, aquelas pessoas quiseram leva-lo a força para Jerusalém para torna-lo rei no lugar de Herodes, mas Jesus fugiu deles, exatamente porque a "Graça" é a demonstração de amor isento de segundas intensões, e Jesus ajudou aquelas pessoas movido pelo amor mais puro e sincero, e não pelo desejo de poder.
Mas engana-se quem pensa que a "Graça" se aplica apenas a Deus, em várias narrativas da bíblia, personagens são descritos como pessoas cheias de "Graça", é o caso por exemplo da própria Maria quando recebeu a noticia que seria mãe de Jesus, o anjo a saudou dizendo que era uma mulher cheia de "Graça".
No livro do Êxodo (capitulo trinta e três verso dezessete) encontramos o registro de que Deus se agradava de Moisés porque encontrou "Graça" nele.
Isso nos ajuda a formar um conceito espiritual mais coerente, porque percebemos que o Criador se alegrou ou ver sua característica da "Graça" presente no ser humano. Isso nos faz perceber que Deus se identificou com estas pessoas por terem demonstrado o mesmo sentimento Dele, o que nos remete ao conceito de amizade, amigo vem da palavra "imago", palavra grega que quer dizer "imagem", cultivamos amizade quando vemos nosso reflexo na outra pessoa, baseados nisso, podemos dizer que Deus se alegrou por ver a "Graça" nas pessoas, porque Ele estava vendo sua imagem naquelas pessoas. Talvez por isso que Jesus tenha dito para seus discípulos que queria chama-los de "amigos" numa referencia ao desejo Dele de ver suas caraterística em nós (evangelho de João capitulo 14).
Podemos concluir que quando exercemos esta bondade e caridade livre que qualquer segunda intensão, isso nos aproxima de Deus porque Ele se identifica conosco.

A "Graça" e os equívocos espirituais
Isso também nos faz refletir sobre o fato de que numa dimensão espiritual, não podemos ter uma relação de troca.   
Quando entendemos isso, fica evidente como várias igrejas modernas, ditas evangélicas, estão ensinando mentiras. 
Em geral são igrejas aonde a fé virou mercadoria, eles vendem bençãos e milagres. Seus pastores estão milionários ensinado as pessoas que quanto mais derem ofertas de valor alto, mais elas alcançarão dádivas de Deus.
Isso é absolutamente falso, pois quando entendemos o principio da "Graça" entendemos que Deus nos ajuda porque é bom, não é uma relação de troca. Ele também quer ver em nós esta mesma bondade que não seja motivada por interesses, então é uma terrível mentira ensinar que numa doutrina cristã possa haver uma relação de "toma lá da cá" com o Criador.
A doutrina da "Graça" também vai numa direção bastante oposta a visão religiosa de várias pessoas praticantes do espiritismo e do espiritismo kardecistas, pois estas pessoas entendem que seus atos de bondade e de justiça funcionarão como um trampolim que vai leva-los a reencarnar em planos superiores.
Como já mencionamos, Deus percebe nossos atos de bondade e se identifica conosco, mas esta bondade não pode ser uma moeda de troca para uma outra vida. No texto bíblico de Tiago encontramos que "a fé sem obras é morta", então devemos agir bondosamente para que nossa fé seja válida, mas se agirmos com a intensão de alcançarmos planos superiores já estaremos agindo com segundas intensões, e isso não é "Graça". 
Deus é cheio de "Graça", isso é, Ele nos abençoa não por nossos méritos mas por seu amor, e nós podemos manifestar esta mesma "Graça" se formos bondosos não visando recompensas, então realmente nossos atos de caridade nos aproximam de Deus mas não funcionam como moeda de troca espiritual.

A "Graça" que requer sabedoria
Existe um outro aspecto importante sobre a doutrina da "Graça" que só pode ser percebido se nós nos aprofundarmos um pouco no idioma hebraico.
No hebraico existem três palavras para descrever a "Graça", ambas estão presentes no antigo testamento da bíblia, e todas são traduzidas como simplesmente "Graça".
São elas:
"חן" (Hn)
 "חסד" (Hsd)
"רחמים" (Rhmym)
Três curiosidades sobre o hebraico, ele não tem vogais, elas são faladas, mas são indutivas; ele é escrito da direita para a esquerda; e a letra "ח" é o mesmo que o nosso "H" mas em nosso idioma é uma letra muda, enquanto no hebraico ele é pronunciado como um "R" brando, gutural, do funda da garganta.
A pronuncia das palavras seria "חן" - Han - "חסד" - Hesed - "רחמים" - Rahamim.
Muitos estudiosos chegam a pensar que estas palavras são sinônimos, mas a verdade cada palavra descreve  um aspecto diferente da "Graça".
O professor e mestre em hebraico Bahir Davis afirma o seguinte:
"Rahamim רחמים vem da raiz Rehem רחם que significa útero. Rahamim é a graça que vem do ventre. É dentro de nós. É o mais profundo dos sentimentos, amor incondicional. Já o Hesed חסד é a bondade, que não conhece limites. É a educação de Rahamim רחמים para o nível do pensamento. Enquanto Rahamim רחמים está no reino da emoção total, Hesed חסד está trazendo a compaixão para a mente e o pensamento, na consciência. E por último, Han חן é a realização do processo", é a graça em ação, praticada e vivida. "
Tomando por base os estudos do Dr Bahir, percebemos que a "Graça" nasce na pura emoção, depois chega a mente, para que depois se torne uma realidade.
Isso nos remete a um conceito muito interessante, pois quantas vezes tentamos ajudar alguém e acabamos atrapalhando, ou acabamos nos prejudicando.
O Dr. Bahir diz que o conceito de "Hesed" é a "Graça" que precisa passar pelo "nível do pensamento".
Isso nos faz entender que a "Graça" tem que ser aquela bondade pura, mas não pode ser tola. Temos que pensar em como vamos agir antes de exercer qualquer ato de bondade ou generosidade.

Hannah - A "Graça" experimentada na intimidade
Como acabamos de ver, "Graça" em hebraico é "חן" (Han), na própria cultura dos antigos judeus surgiu o nome feminino "Ana" derivado da palavra "Graça".
Hoje existem vários nomes femininos nesta raiz, "Ana", "Ane" "Any" etc e todos os livros, sites e estudos que se propõe explicar o significado dos nomes, são unânimes ao afirmar que estes nomes tem o mesmo significado que é "cheia de graça".
Mas existe uma outra peculiaridade aplicada ao nome "Anna" ou "Hannah". Este caráter extraordinário surge por causa de uma característica única do idioma hebraico e do aramaico.
No português, sempre que queremos nos referir a alguém ou alguma coisa de forma muito íntima, nós colocamos a palavra no diminutivo. Pai por exemplo, quando queremos falar de forma íntima e pessoal, chamamos de paizinho.
Mas no hebraico e no aramaico, sempre que algum nome ou substantivo fosse colocado neste nível de intimidade a palavra seria duplicada, como se colocássemos um espelho na última letra.
O melhor exemplo disso é o texto bíblico registrado no evangelho de Marcos capítulo 14 verso 36 quando Jesus chamou Deus de paizinho, ou papai. No hebraico pai fala "Ab" para dar esta conotação de intimidade temos que dobrar a palavra, como se colocássemos um espelho do lado da letra "b" então ficaria "AB-BA".
Foi exatamente esta a palavra que Jesus usou, chamando Deus de "Abba", em português "paizinho".
O grupo musical que fez sucesso nos anos 1970 usava este mesmo nome ABBA, neste mesmo sentido,  tanto que num dos álbuns a segunda letra "B" aparece ao inverso, dando exatamente esta conotação como se estivesse colocando espelho e a palavra fosse duplicada.
 Ficheiro:ABBA logo.png Alguns estudiosos acham que esta forma de descrever intimidade no hebraico e no aramaico, vem do mesmo conceito de amizade. Já falamos que amigo vem da palavra "imago" que quer dizer imagem. Então dobrar a palavra como se colocasse um espelho seria uma demonstração de intimidade pois seria uma representação de que um se reflete no outro.
Senso assim, se aplicarmos este mesmo conceito a palavra "Graça" que em hebraico é  "An" ou "Han" teremos "An-nA" ou Han-naH, isso é, Anna, ou Hannah, que denota a "Graça" num grau de profunda intimidade.
Hannah ou Anna, é a "Graça" experimentada e vivenciada de forma íntima e particular.
Na medida em que o Criador se alegra e se identifica quando vê nas pessoas esta demonstração sincera de generosidade que chamamos de "Graça"; podemos dizer que todos nós deveríamos emanar a "Anna" ou "Hannah", pois isso nos aproximaria de Deus.
Esta não é uma tarefa fácil, imagine numa sociedade como esta que vivemos, extremamente desumana, tentar demonstrar uma bondade pura, inteligente e livre de qualquer segunda intensão. Mas se conseguirmos viver, pelo menos um pouco, desta "Graça", estaremos refletindo a imagem de Cristo, e ouviremos Jesus falar conosco da mesma forma que falou com seus discípulos. "Vocês não são meus servos, são meus amigos".

Marcus Azen

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