A Raiz do Problema - Eliseu e as Águas Estéreis

A Bíblia é uma coletânea de livros e alguns destes são bastante complexos e enigmáticos. No Antigo Testamento, que são os livros escritos antes de Cristo, um dos livros mais difíceis de ser lido é o texto do livro de "Reis".

Na nossa bíblia moderna ele aparece como sendo dois livros chamados de "I e II Reis", mas no original escrito no Hebraico era um livro só, acreditasse que a divisão foi feita pelos gregos por conta do tamanho extenso dos manuscritos.

Estimasse que este livro foi escrito por volta de 550 anos antes de Cristo, e a proposta era descrever as histórias dos "Reis de Israel e Judá", um período longo de cerca de 450 anos, (aproximadamente entre 1000 antes de Cristo até 550 antes de Cristo). Nesta época houve uma monarquia que governou Israel, contudo depois o reino se dividiu em duas monarquias, uma ao norte e outra ao sul.

Esta divisão ocorreu motivada por diferenças regionais mas no fundo tudo girou por causa de dinheiro. Israel teve o primeiro rei chamado Saul, este foi sucedido por David que foi o grande rei na história deste povo, depois Salomão quando houve muita fartura e riqueza, todos foram reinados muito longos, mas depois houve muita disputa por causa da alta carga tributária que Salomão impôs, e o filho se Salomão quando foi coroado não quis diminuir os impostos, o reino acabou se dividindo entre norte e sul. No sul reinou a dinastia dos descendentes de David e no norte uma sucessão de governantes que se alternaram no poder.

Em algumas partes o livro de "Reis" é muito detalhista, mostrando que o autor tinha muitas fontes para poder consultar e contar esta história, mas em outros momentos ele é muito sucinto o que denota falta de fontes históricas. Também não se sabe ao certo quem foi o autor, o que temos sobre a autoria são especulações.

Então o livro de "Reis" se propõe a contar de forma linear quem foram estes reis e os seus principais feitos, e a tarefa é muito complicada quando os reinos se dividem pois o livro conta ao mesmo tempo o que acontecia no reino do sul e do norte, como se contasse duas histórias ao mesmo tempo. 

Mas além de contar ao mesmo tempo a história de dois reinos, o livro também conta a história de dois homens que foram os referenciais espirituais mais importantes daquele período histórico de monarquia do antigo Israel.

Elias e seu sucessor Eliseu marcaram profundamente a história de Israel, mas eles não escreveram livros e não haviam registros escritos sobre suas vidas, então especulasse que o autor do livro dos "Reis" decide que entre a história dos reinados de Israel ele deve contar também como foram as vidas e os feitos desdes dois homens. 

O livro na verdade conta três histórias simultâneas pois desta forma o autor consegue situar quando  estes dois homens atuaram no momento histórico daquele povo, mas um texto que conta três histórias ao mesmo tempo se torna bastante complicado, e o leitor tem que estar muito atento para ler e conseguir entender a sucessão dos fatos.


Pouco se sabe sobre a origem de Elias e Eliseu provavelmente o autor de "Reis" não tinha referências mais detalhadas. O livro menciona apenas aonde Elias nasceu, e que Eliseu era um jovem que o acompanhava e que depois se torna seu sucessor.

O texto narra os feitos deles dois inseridos nas histórias dos rei, o livro também conta que a fama de Elias correu toda aquela região e ultrapassou as fronteiras de Israel e o mesmo ocorreu mais tarde com Eliseu, estimasse que Elias surgiu 850 anos antes de Cristo e o mais interessante é que Elias e Eliseu davam muitos significados a todos os seus gestos e palavras, tudo que faziam ou falavam era carregado de metáforas com ensinamentos. Séculos mais tarde quando veio João Batista e depois Jesus de Nazaré; o povo dizia que eles eram como Elias e Eliseu, muitos judeus até  pensaram que Jesus fosse Elias que tinha voltado, isto se deve ao fato de que Jesus também agia sempre dando um significado muito profundo a tudo que fazia e a tudo que falava, e isto remetia os Judeus para as histórias de Elias e Eliseu.

O registro do livro de II Reis capitulo 2 conta uma destas histórias com significados muito profundos, Lá encontramos a narrativa de que assim que Elias se foi e Eliseu assumiu seu lugar aconteceu que um grupo de homens de determinada cidade foi até Eliseu dizendo que a cidade deles era muito bem situada mas as águas que alimentavam aquela cidade eram ruins, provavelmente havia algum metal pesado ou algum elemento químico que comprometia a qualidade da água que era usada no consumo e na lavoura, tanto que os moradores chegam a dizer que as águas são más. 

Vejamos como está escrito o texto:

"E os homens daquela cidade disseram a Eliseu: 

Eis que é boa a situação desta cidade, como o meu senhor vê; porém as águas são más, 

e a terra é estéril.

E ele disse: Trazei-me um prato novo, e ponde nele sal. 

E lho trouxeram.

Então saiu ele e foi até o manancial das águas, e deitou sal nele; 

e disse: Assim diz o Senhor: 

Sararei a estas águas; e não haverá mais nelas morte nem esterilidade.

Ficaram, pois, sãs aquelas águas, até ao dia de hoje, conforme a palavra que Eliseu tinha falado.

II Reis 2:19-22

O texto conta então que Eliseu colocou sal na nascente e falou em nome de Deus e as águas se tornaram saudáveis.

O que a princípio parece uma narrativa simples (e para muitos fantasiosa) é na verdade carregado de metáforas fantásticas.

Uma cidade boa com águas ruins, significa que aquele lugar tinha tudo para crescer e prosperar, mas a má qualidade da água comprometia o sucesso daquela cidade.

O mesmo acontece conosco, muitas vezes olhamos nossas vidas e pensamos que temos tudo para dar certo mas algumas coisas tem impedido nosso avanço e tem travado nosso progresso.

Então primeiro Eliseu pede um prato novo. O prato simboliza o nosso alimento, nosso sustento, nossa fartura, mas o prato novo significa que quando nos vemos assim, como os moradores daquela cidade, precisamos renovar algumas coisas, alimentar nossas mentes e corações com coisas novas, e transformar nossas perspectivas.

Ele coloca sal no prato e aqui então temos tantos significados que fica até difícil ordenar qual queremos destacar.

O sal simboliza muita coisa, lembro da história que ocorreu a muito tempo quando estava almoçando com um amigo que era místico (muito sério no seu misticismo), ao que ele me pediu o sal, mas outro rapaz que estava conosco a mesa se antecipou a mim e levou o sal até ele, ao que este meu amigo fingiu que não viu e acabou não colocando o sal na sua comida, depois eu perguntei porque ele havia desprezado o sal dado por aquele outro amigo; ao que ele respondeu que ele acreditava que o sal era um transmissor de energia, e ele achava minha energia boa, por isto pegaria um sal que eu lhe desse, mas infelizmente nosso amigo em comum tinha uma energia ruim, por isto ele optou por não pegar o sal dado por este terceiro presente a mesa. 

Aquilo me despertou a curiosidade e descobri que os místicos tem uma relação muito grande com o sal, mas misticismos a parte, sabemos que o sal tem uma forte influência sobre os líquidos, o sal gera o fluxo, ele faz os líquidos fluírem, tanto numa escala micro, como no nosso corpo aonde o sal influencia o fluxo sanguíneo; como numa escala macro, quando ele influencia as mares e por conseguinte todo o regime de ventos e chuvas do planeta terra. Mas sabemos que o excesso dele mata, tanto mata o hipertenso como mata a natureza, aonde existe excesso de sal não nascem plantas, o próprio mar Morto é assim porque a alta salinidade não permite que haja vida. Então o sal exige equilíbrio.

Talvez fosse isto que Eliseu queria simbolizar, faltava o sal que faz fluir que faz vibrar, com equilíbrio. Nas nossas vidas, assim como naquela cidade, as vezes tem tudo pra dar certo, mas as coisas precisam fluir, e fluir com equilíbrio.  

Sabemos também que o sal confere sabor aos alimentos, e as vezes falta sabor, perdemos a alegria do nosso trabalho, as coisas não fluem pois não vibramos mais com as cosias que fazemos, como se estivesse tudo ensosso, sem sabor. Como se não sentíssemos mais o sabor das coisas que construímos e conquistamos. 

Outra característica do sal que certamente foi usada por Eliseu, foi o fato de que o sal limpa. O sal como o conhecemos é um composto de Cloro e sódio, o cloro é desinfetante, por isto no passado quando não existiam geladeiras as pessoas conservavam o alimento no sal, pois ele matava qualquer bactéria que tentasse agir no alimento, salgava-se as carnes para que fossem conservadas. Então o sal limpa e conserva. As vezes as coisas não tem acontecido porque não temos zelado e cuidado do que é nosso, não temos conservado, não temos valorizado, e temos deixado a sujeira tomar conta de nossas vidas, de nossas mentes e corações. Certamente Eliseu usou o sal para também dar esta conotação.

Muitas vezes precisamos de uma faxina mental e espiritual, aonde limpamos as sujeiras e preservamos aquilo que temos de valor.

Por fim vemos Eliseu levando o sal na nascente. É um simbolo muito forte pois quando pensamos numa nascente, pensamos numa fonte aonde as águas nascem. É a ideia da origem.

O que Eliseu está demonstrando seria o mesmo que levar vida, sabor, vibração, equilíbrio, limpeza e conservação para a fonte, isto é, aonde tudo começou.

Eliseu deve ter perguntado para os moradores daquela cidade, aonde é a nascente? Aonde é a origem do problema, aonde tudo começou? 

Conosco não é diferente, temos que ir no cerne, no início, na fonte, levando o sal. Não adiantaria levar o sal a partir do meio do rio, a cura que não for a origem é apenas paliativa.

Investigar profundamente a nós mesmos, descobrir a origem do problema, ou dos problemas, descobrir e entender o porque, ou os porquês. Porque sou quem sou e como sou, aonde está a raiz dos nossos comportamentos.

É uma busca pelo auto conhecimento, séculos antes dos gregos terem escritos o famoso "Conheça-te a ti mesmo" na entrada do templo de Apolo, Eliseu já demonstrava numa metáfora perfeita que precisamos nos conhecer, a fim de identificar a origem dos nossos comportamentos equivocados, e finalmente levarmos até lá o sal, que limpa, conserva e faz fluir.

Então poderemos transformar nossas vidas. Aquilo que antes era uma fonte de água insalubre e sem vida, agora é água boa, que sasseia a sede e gera vida.