Westworld: Desvendando os Conceitos e o Gnosticismo Por Trás da Série.

Você já questionou a natureza de sua realidade?

Esta foi uma das mais impressionantes questões levantadas logo no primeiro episódio da nova série original, produzida e apresentada pelo canal por assinatura HBO. A série que estreou em Outubro de 2016 recebeu o nome de  "Westworld" porque foi baseada num filme homônimo de 1973.

Westworld é surpreendentemente inteligente, haja visto que não estamos acostumados com muita inteligencia exibida na televisão.

Hoje em dia vivemos uma triste realidade de decadência cultural, e este é um fenômeno mundial, em todas as nações mundo a fora percebe-se a perda da qualidade das mais diversas manifestações culturais, isto obviamente se reflete no empobrecimento ético, moral e filosófico do ser humano, tanto como indivíduo como ser social. Dentro desta triste realidade, muito se fala sobre como a televisão cooperar para esta decadência, na verdade este é um assunto muito controverso, pois para muitos a baixa qualidade das produções televisivas se deve a baixa qualidade do público que a assiste, mas outros afirmam que a televisão não é apenas vítima do problema, mas sim um fator agravante para que esta perda de qualidade cultural esteja ocorrendo.

É lógico que a televisão perde disparado para a leitura por exemplo, pois quando o indivíduo lê um livro ele projeta e idealiza em sua mente tudo aquilo que está lendo, então a leitura por si só já exercita a mente, enquanto a televisão é a informação predileta para quem não quer ter muito trabalho de pensar. Mas este não é o grande malefício da "telinha", o grande problema é a massificação das culturas, a beleza de nossa espécie está na diversidade, quando nos reunimos em grandes grupos ou em pequenas comunidades, formamos culturas próprias, isto sem mencionar que cada ser humano é um universo a parte. Quando ocorre a interação destas culturas, aflora o melhor de nós conforme sonhou Kenneth Galbrait. Mas a televisão impede isto porque tem formado uma padronização de conceitos e modismos e tem transformado o mundo numa imensa geleia de ideologias baratas e conceitos enlatados, e nisto sim a sub cultura televisiva tem sido um desastre para os tempos modernos.

Então nos questionamos, é possível que se apresente na televisão um conteúdo que respeite a diversidade e que estimule a inteligência? Creio que sim, todavia há que se notar que o público raramente corresponde a um conteúdo mais denso; de maneira que em parte esta mesma televisão se torna vítima dela própria, porque enquanto coopera para o empobrecimento cultural, cada vez mais ela se torna refém de um público acéfalo.

Dentro desta perspectiva, todas as vezes em que alguma destas empresas que produzem conteúdo para a televisão, se arriscam numa proposta de gerar um conteúdo mais profundo e reflexivo, ainda que discordemos dos conceitos que serão apresentados, é um fato a ser notado e enaltecido. Tendo em vista o risco, devemos notar que HBO não economizou nesta série, que certamente apresenta um conteúdo  muito diferenciado. A Westworld da HBO conta com nomes como Anthony Hopkins, Ed Harris, Thandie Newton, Jeffrey Wright, James Marsdem e em meio a esta constelação de excelentes atores, para nosso orgulho nacional, aparece também Rodrigo Santoro, e como disse foi baseada num filme homônimo de 1973 escrito por Michael Crichton, cujo principal protagonista foi representado por Yul Brynner. Neste filme da década de 1970, turistas frequentavam um parque que os levava a viver a realidade do mundo da Roma antiga, da Idade Média e do velho Oeste norte americano, e os personagens dos cenários eram todos robôs que interagiam com os frequentadores do parque como se fossem também seres humanos, o parque era um sucesso até que um dos robôs se rebelou e começou a matar os humanos de verdade.

O filme de 1973 tinha como proposta ser um suspense futurista, e o que teria feito os robôs se rebelarem teria sido uma espécie de vírus que infectou os computadores que coordenavam o parque. Na atual série, Jonathan Nolan e a esposa Lisa Joy, que são os autores desta moderna versão de televisiva de Westworld, usaram a ideia deste filme de 1973, e idealizaram o mesmo parque temático onde este robôs começassem a despertar sobre a realidade de suas vidas, dando a narrativa um cunho diferente do filme, tentando chamar a atenção da necessidade do ser humano despertar para a realidade de sua natureza. Devemos lembrar que Jonathan Nolan é irmão do diretor Christopher  Nolan, que já levou para os cinemas algumas obras muito interessantes, obras com este cunho mais denso com reflexões gnósticas, que de alguma forma tentam fazer o ser humano se questionar sobre sua própria realidade.

Mas na proposta de Jonatham Nolan os robôs não são necessariamente robôs, eles são um misto de inteligencia artificial e engenharia genética, como se fossem bonecos humanos, e isto nos faz recordar o aclamado filme de ficção de 1982 "Blade Runner". A série então apresenta este parque temático, imaginando que num futuro relativamente próximo os seres humanos serão capazes de desenvolver esta espécie de bonecos humanos, no enredo dois engenheiros um chamado Arnold e outro chamado Robert Ford, desenvolvem estes bonecos e criaram este parque temático onde estes androides humanizados não sabem que são androides, e vivem a realidade do velho oeste americano, interagindo com os hospedes humanos que por sua vez vivenciam toda a emoção daqueles tempos. Todavia Arnold morre no início do funcionamento do parque e seu sócio Robert Ford levou o projeto adiante, passadas três décadas, o parque é um evento mundial mas em meio ao sucesso algo estranho começa a acontecer, pois os androides humanoides, enquanto interagem com os visitantes humanos, começam a despertar para a realidade do mundo em que vivem, e para a realidade de sua própria existência, e este auto despertar dos bonecos humanos teria uma relação com o antigo sócio do parque que morreu.

A narrativa da margem a inúmeros questionamentos sobre nossa própria existência, e toda a ideia por trás do enredo tem como pano de fundo diversos conceitos do gnosticismo. Falar sobre gnosticismo é complexo e demandaria incontáveis parágrafos, mas poderíamos sintetiza-lo como sendo uma visão filosófica que propõe ao homem que ele precisa abrir os olhos para a realidade da natureza de sua existência, e foi por isto que este questionamento surgiu logo no primeiro episódio da série. O auge do gnosticismo ocorreu nos primeiros séculos do cristianismo, quando muitos gregos gnósticos tornaram-se cristãos e fundiram o cristianismo com o gnosticismo, exatamente porque eles entenderam que esta era a verdadeira proposta da mensagem de Jesus, levar o homem a uma consciência mais profunda de sua própria existência. Todavia com o passar dos anos vários gnósticos cristãos passaram a crer que Jesus não fora um homem, mas sim um espectro ou a manifestação de um ser de outra dimensão de existência, além disto, outro grupo de gnósticos formulou o conceito de Deus como sendo o "demiurgo", pois ao tentarem compreender a natureza de sua existência, eles passaram a questionar a natureza do criador e muitos passaram a ver este criador como um ser tirano, o que obviamente não combina com a visão cristã de um Deus amoroso que se revelou na pessoa daquele Cristo amável; estas teorias acabaram por afastar o cristianismo do gnosticismo, e isto foi ruim para os dois grupos, pois se por um lado o movimento gnóstico praticamente desapareceu, por outro lado o cristianismo perdeu sua vertente mais profunda e deu margem para o surgimento daquele pragmático e doentio cristianismo medieval.

Falar sobre este conceito de demiurgo também exigiria um maior aprofundamento, pois existiam inúmeras teorias, até mesmo porque alguns grupos gnósticos acreditavam que o espírito é bom e a matéria é má, e para estes o demiurgo não seria o Deus supremo, mas seria um outro ser divino que criou o mundo material, e aprisionou o ser humano dentro deste universo da matéria onde os sentidos não revelam a verdade do que está la fora. Há quem diga que o que realmente fez gnosticismo se perder, foi esta discussão sobre o demiurgo, e isto teria feito o movimento perder sua força independente da ruptura com o cristianismo, até porque  o grande pressuposto do gnosticismo é o auto conhecimento, este auto conhecimento seria o real fator capaz de fazer o ser humano abrir seus olhos e a sua mente para uma perspectiva mais profunda da vida, e possibilitaria ao homem evoluir, todavia o auto conhecimento surge a partir de uma auto crítica, mas esta visão do demiurgo tira o grande foco da busca gnóstica do homem pelo seu auto conhecimento e dá ao ser humano um ser etéreo a quem ele pode creditar suas culpas,  seus erros, e suas mazelas, afinal se o auto conhecimento surge a partir de uma auto análise e uma auto crítica, quando o ser humano passa e dizer que tudo é culpa de um deus tirano, ele se exime desta auto crítica e perde de vista a possibilidade de conhecer a si mesmo.

Nos primeiros capítulos de Westworld já pudemos perceber vários aspectos deste gnosticismo, e a forma como a narrativa evidencia que aqueles bonecos humanos tem despertado para sua realidade, é de fato algo muito positivo no aspecto que pode despertar o público para este auto conhecimento, todavia podemos supor que nesta obra também exista esta figura do criador como sendo este "demiurgo", provavelmente apresentado no personagem Robert Ford, dono do parque, representado pelo brilhante Anthony Hopkins, mas ainda é prematuro tirar este tipo de conclusão.

Westword tem várias cenas de nudez e de violência, mas até agora nos episódios apresentados, esta exposição a violência e ao erotismo não funcionaram como uma apologia. Devemos entender que aqueles bonecos humanoides tem plenas funções sexuais, de maneira que muitos visitantes do parque estão lá com o único intuito sexual, e a proposta da série e revelar estes bonecos humanos sendo coisificados, de maneira que a nudez é uma forma de revelá-los como objetos. A violência gritante também não surge banalizada, na série estes bonecos humanos podem ser mortos e depois são trazidos de volta a vida, de maneira que muitos visitantes procuram o local para dar vazão a seus instintos mais violentos, então a violência foi apresentada numa proposta de revelar a natureza humana e sua faceta mais cruel.    


Mas em meio a toda esta nudez e a toda a violência, creio que a proposta de Jonathan Nolan é revelar que parte daqueles bonecos começa a despertar para a realidade de suas vidas, o que obviamente tem a ver conosco, que vivemos num mundo violento e erotizado mas mesmo em meio a toda esta condição degradante, existe a esperança de que muitos de nós possam abrir os olhos para uma perspectiva mais elevada de vida, o que obviamente seria o aspecto mais positivo do gnosticismo.

A narrativa da série é repleta de sutilezas, e algumas cenas que evidenciam este auto conhecimento e este auto despertar são extraordinárias, cabe aqui exaltar uma destas cenas ocorrida no sexto episódio, quando a robô representada por Thandie Newton foi a primeira a ter consciência de sua existência, ela passa a entender a condição de seu mundo e a condição dela própria, e abre os olhos para a e realidade de sua existência, então numa das últimas cenas deste sexto episódio, encontramos Thandie conversando com dois funcionários do parque, exigindo  que eles alterem sua programação, ela havia entendido que seus comportamentos e a forma como lidava com as situações foi pré estabelecida conforme programas específicos, então exige que sua programação comportamental seja alterada. Foi uma cena perfeita, pois exemplifica com clareza um dos mais importante pressuposto do gnosticismo. No gnosticismo acredita-se que quando o ser humano for capaz de conhecer a si mesmo, e perceber a natureza de sua realidade, ele será capaz exercer domínio sobre si mesmo, seria mais ou menos algo como: "quando sei quem sou, posso decidir quem quero ser", esta foi exatamente a perspectiva apresentada na cena.

Não sabemos como Jonathan Nolan conduzirá o restante da narrativa, em se tratando de séries para a televisão, sabemos que algumas começaram muito bem mas no decorrer perderam sua continuidade e a qualidade foi ao chão, mas ainda assim a iniciativa é digna de exaltação, ainda mais levando-se em conta ser muito difícil trazer para a tela da televisão conceitos mais profundos, e tentar fazer o gnosticismo compreensível para o público em geral, por isto, ainda que mais adiante a narrativa perca qualidade, ainda assim é louvável a tentativa de se elevar o nível do conteúdo oferecido ao telespectador, e por isto creio que a HBO está de parabéns, assim como merecem os parabéns os produtores da série, entre eles o conceituado J. J. Abrams.

Mas nem tudo são flores, porque alguns conspiracionistas creem que por trás desta série exista algo mais obscuro. Como dissemos, a programação da televisão tem baixíssima qualidade, mas recentemente algumas produções parecem tentar elevar o nível deste conteúdo, sempre trabalhando alguns pressupostos gnósticos, na tentativa de revelar esta figura do "demiurgo" apresentando-o como a verdadeira face de deus. De maneira que talvez Westworld faça parte de algo maquiavelicamente pensado dentro de uma proposta de trazer de volta a discussão gnóstica sobre o demiurgo, e popularizar este conceito, tentando fazer com que seja compreendido mesmo por quem desconhece o assunto, e isto justificaria se gastar tanto dinheiro num conteúdo que muitos não entenderão. Dizem este teóricos da conspiração de que isto faz parte de uma estratégia dos chamados Iluminattis que tem forte domínio sobre a mídia, pois tais iluminattis pretendem desconstruir a visão de Deus presente nas três grandes religiões monoteístas do mundo. No islamismo Deus é o clemente, no judaísmo ele é o misericordioso, e no cristianismo ele é amoroso, mas os senhores da mídia querem apresenta-lo como demiurgo. Mas isto não passa de especulação, e há quem diga até que os Iluminattis nem se quer existam, neste caso alguém precisaria avisar isto ao happer Jay Z.

Mas digamos que haja algum fundo de verdade nestas teorias, e talvez realmente haja; isto não deveria ser um problema para nós os cristãos, na verdade no cristianismo atual nosso grande problema não está em ser confrontado com tais filosofias, é totalmente o oposto, nosso grande problema é que a maioria dos cristãos não se questiona sobre sua natureza, e o que vemos hoje é uma teologia cristã de papagaios, onde um repete o outro sem massa critica, o cristão não deveria ter medo de pensar ou de se questionar, ao longo da história muitos pensadores excelentes foram cristãos autênticos, e percebemos que a verdadeira experiência cristã não entra em crise quando questionada com tais pressupostos, muito pelo contrário, o cristão que se questiona se fortalece, então nosso problema não é a confrontação mas ausência dela. Alem do mais, a ideia de um demiurgo nunca deveria abalar a fé de um cristão convicto, porque quem crê em Cristo entende que este Jesus de Nazaré veio ao mundo exatamente com este proposito de despertar o homem para a realidade de sua condição, então Deus nunca pode ser visto como um tirado, do contrário não teria enviado a Cristo para nos conclamar a esta verdade que liberta.

Ainda que haja de fato este aspecto sinistro e mal intencionado em Westworld, é muito positivo que haja esta tentativa de se fazer uma televisão mais inteligente, assim como é muito positivo este convite a um reflexão filosófica e pessoal, e o texto de Paulo de Tarso diz que devemos "examinar tudo e reter o que é bom", de maneira que todos nós devemos questionar a natureza de nossa condição, para que a verdade de fato nos liberte.