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sábado, 14 de janeiro de 2017

Sócrates e Jesus, O Autoconhecimento e A Verdade como as Bases da Filosofia

Platão, Nietzsche, Rousseau, Satre, Xenófanes, Boétie, entre tantos outros, e porque não colocarmos nesta lista de notáveis os brasileiros que graças ao maravilhoso mundo virtual, todo o público em geral tem podido acessar as aulas e as palestas dos incríveis Clóvis de Barros Filho, Leandro Karnal, Mário Sergio Cortella e Luiz Felipe Pondé.

Diga-se de passagem que apesar de toda nossa crise moral, ética, e educacional, é de se admirar que tais mestres tenham centenas de milhares de seguidores nas redes sociais, parece que por vezes nosso pessimismo em relação a nossa pátria mãe gentil não nos permite ver o quão felicitador é perceber que a despeito das constantes tentativas de emburrecimento da população em geral, o público corre aos milhares para ouvir e ver tais mestres nas páginas da web que possibilitam a armazenagem de vídeos.

Não faz muito tempo correu um boato nesta mesma web que o apresentador do telejornal mais assistido no país, numa palestra dada a alunos de jornalismo, afirmou que para conseguir transmitir as notícias para o público menos favorecido ele imaginava que do outro lado da tela tinha alguém semelhante ao personagem Homer Simpson da animação "Os Simpsons" revelando que na sua expectativa e provavelmente na expectativa da principal emissora de televisão de nossa pátria, boa parte do seu público é relativamente acéfalo, o que na verdade nos parece é que talvez esta fosse a intensão da tão propagada emissora, que parece contribuir tentando formar este este quadro de pouco uso das faculdades mentais por parte de muitos brasileiros, todavia o grande interesse de milhares de pessoas em beber da fonte de tais célebres professores, nos faz pensar com alegria que talvez eles tenham fracassado, pelo menos em parte, na tentativa de nos tornar totalmente desprovidos de massa crítica.

Mas parece que neste celebrado ardor filosófico em nossa nação, o cerne da questão no tocante ao fator capaz de gerar a própria filosofia, tem passado desapercebido ou mesmo não tem sido fomentado, isto preocupa porque se o povo sente a necessidade de pensar é porque deseja evoluir como ser pensante, mas na medida em que o grande motor propulsor destes grandes pensadores do mundo não tem sido percebido, e isto pode gerar um série de papagaios que se arvoram em pensadores, pois não são estimulados a pensar, passam apenas a repetir o que ouviram, isto me faz lembrar de um texto bíblico quando Paulo escreveu para os cristãos da cidade de Corinto dizendo que eles eram meros repetidores, uns repetiam a Pedro, outros repetiam ao próprio Paulo, e outros repetiam a Apolo, e ainda haviam aqueles que diziam repetir ao próprio Cristo, mas ainda que repetissem o próprio Cristo a vida cristã deles não tinha o valor devido porque não pensavam por si os valores do cristianismo, apenas como ecoavam os valores propagados por outros. O que de certo forma é até lucro quando pensamos que hoje os cristãos repetem não a Pedros e a Paulos, mas a Macedos e a Valdomiros.

Mas qual seria o grande motor propulsor para que o homem evolua como ser pensante, deixando de ser apenas um replicador dos outros pensantes?

Para respondermos esta pergunta devemos olhar brevemente a vida de Sócrates, o pai de todos estes, apensar que mencionei Xenófanes considerado pré-socrático, mas ainda assim Sócrates é nossa referencial de pensador, o ponto de partida para que o pensamento filosófico se consolidasse.

Na verdade muito se fala sobre Sócrates e pouco se pensa sobre ele, semelhante ao Cristo de Nazaré, parece que ele é uma figura icônica e as pessoas conferem valor ao ícone sem necessariamente valorar o que foi preconizado pelo ícone. Para muitos Sócrates é um ícone, mas estes que iconificam muitas vezes nem conhecem a história de Sócrates.


Resultado de imagem para sócratesO geógrafo Pausânias que em 160 depois de Cristo escreveu um livro fantástico como se fosse um manual sobre a Grécia denominado "A Descrição da Grécia" afirmou que Sócrates era filho de Sofronisco, um cortador de pedras para a confecção de prédios públicos e templos, e pode parecer esta uma profissão simples mas quem estuda a estrutura das construções gregas clássicas sabe que eram pedras cortadas com precisão cirúrgica porque elas eram milimetricamente encaixadas e configuradas para resistir a terremotos. Parece que Sócrates não era bom com as mãos e não pode seguir a carreira do pai, então ele seguiu carreira militar, lutou na guerra da Potidéia, uma província de Corinto onde houve um conflito por causa das disputas dos vários reinos gregos. Ele chegou a ser suboficial no exército de Atenas mas sua atuação foi controversa.

Quando deixou a carreira militar ele decidiu se matricular para ser aluno de um famoso sofista chamado Anaxágoras de Clazomene, mas este Anaxágoras na época estava sofrendo muito oposição de outros sofistas que se incomodavam com o fato dele ser tão reconhecido mesmo não sendo ateniense, havia uma certa disputa de mercado pois os melhores sofistas seriam os professores dos filhos da elite de Atenas, e os jovens tinham predileção por Anaxágoras. Mas durante um tempo Anaxágoras suportou seus críticos porque era protegido por um importante líder da democracia de Atenas, o general Péricles, mas conforme Péricles perdia destaque na liderança da cidade, Anaxágoras foi perdendo apoio ate que teve que sair de Atenas em 431 antes de Cristo acusado de ser impiedoso com os alunos, o que obviamente era apenas um pretexto para afastá-lo de seus alunos.
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Quando Sócrates viu seu mentor e mestre deixar Atenas por conta de um disputa de interesses, ele parece ter se insurgido contra os sofistas e passou a ir para as praças públicas ministrar aulas gratuitas a todos que desejassem, o que naturalmente enfureceu os mesmos sofistas que tinham forçado para que Anaxágoras fosse embora. Para piorar Sócrates se revelou um grande professor e não demorou para que uma legião de jovens fossem até a área pública onde ele ministrava suas aulas e bebessem de sua sabedoria.

Surgiu uma grande polêmica por que Sócrates diferentemente dos outros sofistas nada cobrava por falar em praça pública e logo as pressões que antes foram contra seu antigo mestre passaram a recair sobre ele. Havia uma grande celeuma e houve até quem o acusasse de ter abandonado os filhos para ficar dando aula gratuitamente em praça pública. Um dos amigos de Sócrates de longa data que havia lutado junto com ele na guerra da Potidéia, um outro grego importante chamado Xenofonte era membro de um importante partido político da democracia ateniense e passou a sofrer pressões por conta da oposição que Sócrates sofria dos outros célebres sofistas, então Xenofonte imaginou que poderia dar um basta nesta questão indo ao templo de Apolo em Delphi, Xenofonte foi até o Oráculo e consultou a pítia sobre quem era o maior sábio de Atenas, e a pitonisa não titubeou, afirmou categoricamente que Sócrates era o homem mais sábio de todos.

Todavia Xenofonte ficou impressionado com a inscrição colocada séculos antes pelos Sete Sábios da Grécia, que ficava bem na entrada do Oráculo que dizia "Conhece a ti mesmo", quando voltou e contou para Sócrates que segundo a pitonisa ele era o mais sábio, mas o que realmente chamou muito a atenção de Sócrates foi a inscrição "Conhece a ti Mesmo". Platão contou no livro "Protógenes" detalhes sobre os Sete Sábios que colocaram aquela inscrição, dando a entender que seu mestre Sócrates também se interessou em saber como o porque aqueles homens de deram conta que o ser humano carece de auto conhecimento.

O que se seguiu adiante foi um Sócrates ainda mais terrível e mais incômodo para os sofistas, pois ele ficou intrigado em saber se de fato o ser humano carece de auto conhecimento, então ele passou a investigar vários cidadãos atenienses,

Platão registrou que em seu julgamento Sócrates teria dito o seguinte:

 "Ora, dessa investigação, cidadãos atenienses, me vieram muitas inimizades"
 Platão Apologia de Sócrates Cap IX Primeiro parágrafo 

Sócrates entrevistava pessoas proeminentes daquela sociedade para saber se elas tinha noção de quem eram e qual o papel que elas representavam socialmente, e descobriu que de fato o homem não sabe quem é, então ele voltou a investigação para si mesmo, e foi quando ele chegou a conclusão que ele nada sabia,  

"Então, pus-me a considerar, de mim para mim"

Depois ele afirma:

οὗτος μὲν οἴεταί τι εἰδέναι οὐκ εἰδώς, ἐγὼ δέ, ὥσπερ οὖν οὐκ οἶδα, οὐδὲ οἴομαι

"aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber."
 Platão Apologia de Sócrates Cap VI Parágrafo único

Então Sócrates passou a dizer que nada sabia, era o sábio que nada sabia, isto obviamente gerou um caos na disputa dos sofistas e eles acabaram arrastando Sócrates para a prisão e acabou sendo condenado a morte aos setenta anos de idade em 399 antes de Cristo. Mas Sócrates se eternizou quando se deu conta que nada sabia.

Concluímos que o que impulsionou Sócrates foi a busca pelo autoconhecimento, e quando pensamos em todos estes, e tudo que eles escreveram é na verdade a revelação deles mesmos. Quando Platão por exemplo revela sua incredulidade quanto a tudo que é empírico, esta era a revelação dele mesmo, ou quando Schopenhauer revela que a vida é um pendulo onde oscilamos do que temos para o que desejamos porque nunca nos satisfazemos, e na verdade ele fazia uma releitura de Platão, na verdade ele revelava a si próprio, ou quando Nietzsche afirmava que o homem se tornaria o super homem quando superasse a ideia de Deus e se tornasse seu próprio Deus, esta era na verdade a experiência dele próprio que havia abandonado a fé luterana e se tornou o maior pensador da Alemanha, onde ele misturou sua genialidade com uma arrogância e uma vaidade egocêntrica nunca dantes vista na história do pensamento humano, então surge o conceito do super homem que era na verdade ele mesmo falando dele mesmo.

Cada um destes grandes pensadores na verdade revela a si próprio, de maneira que o que os tornou grandes foi o mesmo que aconteceu com Sócrates, eles todos tiveram uma experiência de auto conhecimento que lhes capacitou ascender de ser repetidor para ser pensante.

Por isto que de todos estes Cristo é sem dúvida o mais fantástico, pois Cristo era o único que ensinava o homem experimentar este autoconhecimento, foi por isto que de Jesus ouvimos: Porque reparas o cisco no olho do teu irmão e não tiras a viga que está no teu?,Este mesmo Cristo afirma: Conhecereis a verdade e ela vos libertará, Ainda dele temos o seguinte: Quando orardes não sejais hipócritas. 

Vejamos como é curioso porque enquanto Jesus afirmou que a verdade liberta séculos antes Sócrates disse o seguinte antes de morrer: 

"Quando os meus filhinhos ficarem adultos, atormentai-os como eu os vos atormentei, quando vos parecer que eles cuidam mais de riquezas e de honrarias do que da Verdade. E, se acreditarem ser qualquer coisa não sendo nada, reprovai-os, como eu a vós":
 Platão Apologia de Sócrates Cap XXX Segundo Parágrafo 

Tanto Sócrates como Jesus falaram sobre a verdade sobre si mesmo, porque é da confrontação que o verdadeiro eu se revela. Desta forma podemos entender que todas estas frases de Jesus de Nazaré, entre outras, revelam que acima de tudo ele estava propondo ao ser humano como ascender, como deixar de ser alguém que apenas repete o que ouve para ser alguém que pensa e concebe conceitos. 

O ser humano carece de auto conhecimento e Jesus a todo tempo confrontava este homem consigo mesmo. A verdadeira filosofia ensinada por Cristo, é confrontação, a auto confrontação que revela o homem para si mesmo, e neste  sentido Sócrates se torna o exemplo vivo do que Cristo ensinava, pois Sócrates ascendeu de filho do cortador de pedras para o pai do pensamento clássico a partir do momento em que ele diz que "pus-me a considerar de mim para mim", Sócrates é a prova viva daquilo que Jesus ensinava, o homem ascende quando confronta a verdade sobre sua própria natureza. E foi por isto que Paulo disse que aquele que quer participar da mesa de Cristo deve examinar a si mesmo para que assim coma deste pão e beba deste cálice.   

Pensante é o homem que confronta a si mesmo.
   

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