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segunda-feira, 5 de março de 2018

Porque Não Flash Gordon?


A ciência da computação gráfica possibilitou nos últimos anos, inúmeras produções cinematográficas onde foram levadas para a telona obras dos quadrinhos e dos cartoons. A geração dos anos 2000. e ainda mais especificamente a geração do ano 2010, pode assistir obras cinematográficas onde absolutamente tudo é possível, todo tipo de cenário futurista, psicodélico, fantasioso, fantástico, tudo pode ser criado e gerado pela computação gráfica e pelos novos efeitos especiais.

Quando garoto assisti os episódios da série original Star Trek (Jornada nas Estrelas), e apesar da excelência e profundidade dos temas que eram levados para a tela num enredo futurista, o recursos da produção eram evidentemente precários até para um garoto como eu; é incrível como hoje as versões produzidas para o cinema são dotadas de uma realidade absoluta, surpreendente, e tudo aquilo que antes era percebido apenas na imaginação, haja visto a evidente limitação da imagem perante a narrativa, hoje a imagem grita muito mais alto que a história em si.

Recordo quando um amigo trouxe dos EUA cartoons do Super Homem de 1977, e mesmo no papel, a história era muito mais imaginada do que vista naqueles desenhos por vezes toscos.

Hoje a imaginação deu lugar a imagem, e todos os heróis que fizeram parte do imaginário de duas gerações passadas, ganharam versões cinematográficas onde suas fantásticas histórias surgiram reais diante de nossos olhos.

No cinema de hoje é possível ver o Homem Aranha saltando de prédio em prédio numa perfeição que parece melhor que a própria realidade, vemos também o Super Homem voando até os céus de maneira que é até difícil de acreditar que aquilo é apenas um truque cinematográfico proporcionado pela maravilha da computação gráfica. O mais extraordinário de todos é a produção dos Guardiões da Galáxia, porque talvez de todos os cartoons criados nos meados do século XX, este é sem dúvida o mais criativo e mais estranho, onde um guaxinim e uma árvore aparecem no elenco principal como heróis intergalácticos.

Mas surge então uma dúvida: Porque não Flash Gordon? Porque especificamente este herói não está recebendo atenção da industria? Tendo em vista que ele foi um dos mais populares dos cartoons produzidos de todos os tempos, porque especificamente ele não recebeu uma verão cinematográfica carregada de beleza plástica e visual?

Resultado de imagem para flash gordonFlash Gordon foi criado em 1934 e a história é bem simples, Flash é um típico rapaz norte americanos que se vê em meio a uma conspiração galáctica quando um imperador Ming, que governa vários mundos e vários planetas, planeja dominar a terra. Ming acaba se interessando pela namorada de Flash que além de ver nosso planeta ameaçado vê o amor de sua vida sendo forçada a casar com o imperador. Mas Flash consegue fugir e passa a peregrinar pelos vários povos dominados por Ming e acaba unindo todos eles fazendo-os lutar contra o imperador para finalmente derrotá-lo. Desta forma Flash salva não apenas nosso mundo, mas livra a galáxia deste tirano.

A história é simples e em diversos aspectos é semelhante a outras jornadas de diversos destes heróis que circundam o imaginário infanto juvenil desde os fenômenos dos quadrinhos na primeira metade do século XX.

Mas se Flash é um história bastante comum, permanece a pergunta: Porque ainda não recebeu uma grande adaptação para o cinema nestes tempos da modernidade audiovisual?

Existe sim uma adaptação para o cinema feita em 1980, que contou com alguns ótimos atores como por exemplo Timothy Dalton e o grande Max Von Sydow. Mas aquela foi uma obra de baixo orçamento, com recursos tecnológicos paupérrimos, por vezes mais rudimentares que os da série original de Star Trek produzida em 1966, o grande trunfo deste filme de 1980 foi a extraordinária trilha sonora, feita pelo "Queen" no auge da carreira de Fred Mercury, e provavelmente a repercussão que este filme teve se deve em grande parte a esta banda de Rock. Mas o filme não é ruim, muito pelo contrário, ele é uma grande brincadeira, pensada num publico bem jovem, algumas tiradas do imperador inclusive são bastante cômicas, mas ainda assim deixou a desejar, afinal o mundo da época já havia assistido a Star Wars, que ainda que contasse com recursos tecnológicos ainda limitados por causa da época, ainda assim teve uma plástica espacial fantástica, e levou o telespectador para dentro daquele universo, e isto infelizmente não aconteceu com Flash Gordon de 1980.


Resultado de imagem para flash gordon 1936Flash também teve uma adaptação anterior em 1936, foi uma série de 13 episódios feitos pela Universal que em 1950 foram relançados para a TV, e este foi um clássico, obviamente extremamente limitado, mas extraordinário nas atuações e nas interpretações, como ocorria em geral naquela época quando não existiam recursos tecnológicos mas sobrava talento em seus atores protagonistas, mas como disse, a beleza plástica de Star Wars fez com que todos desejassem ver algo neste nível para o herói que jogava futebol americano, e isto de fato nunca aconteceu.

É verdade também que em 2016 foi anunciado que finalmente este herói teria sua história contada nestes modernos tempos da computação gráfica, dizia-se que o filme teria o diretor de X Men e o roteirista de Thor. mas passados dois anos, nada aconteceu.

A explicação para o fato de que Flash Gordon esteja sendo esquecido, ou melhor, protelado, talvez seja o fato de que ele não corresponde ao desejo do público modernos. Talvez ele não represente mais a expectativa que fazemos de um herói.

As pessoas hoje querem heróis com super poderes, querem seres fantásticos, híbridos, não se agradam mais em ver humanos, apenas humanos, querem super humanos, mas Flash não é nada além de apenas humano, só isso, ele foi em parte pensado nos moldes de Homero, quando produziu seu épico Odisseia. Na Odisseia Ulisses, o herói enfrenta todo tipo de criatura mitológica, sendo ele apenas um ser humano, e usa inteligência, perspicácia, e se articula dentro das suas próprias limitações para superar estes seres super poderosos; Flash Gordon é exatamente isto, num ambiente desconhecido e hostil, ele se articula dentro de suas habilidades e acaba por derrotar uma inimigo super poderoso, é a superação da própria humanidade sem a superação do humano. Mas o público hoje quer heróis que voam, que tenham sido mordidos por aranhas radioativas, e tenham cintos de utilidades repletos de aparatos tecnológicos, o publico ávido por X Mens, não entende como alguém sendo apenas humano pode ser um herói.

O homem moderno é como Radion Raskolnikov, personagem do fantástico livro Crime e Castigo de Fiodor Dostoievski, neste livro Dostoievski imagina um homem patético, que se imagina como sendo um homem extraordinário, tem sonhos de ser o próximo passo da evolução, criou sem si mesmo a perspectiva de que está além da moral e da justiça humana e divina, porque ele é seu próprio Deus. Este livro profético do fantástico escritor de São Petersburgo revela exatamente como pensa o homem moderno, e dentro desta perspectiva não existe espaço para um herói que seja apenas um ser humano se articulando dentro de suas limitações e assim superando todos os seus adversários, na mente do homem moderno, todos querem ser como o "super homem" de Nietzsche, todos querem ser além do humano, quando o que importa é basicamente "ser humano".

Curiosamente Fred Mercury pareceu entender isso, numa das letras da trilha sonora que fez para este herói, ele afirmou que Flash era um herói porque era apenas um homem com a coragem de um homem.








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