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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

"Eu sou o que Sou", um convite ao auto conhecimento.


Um dos personagens mais incríveis e intrigantes na história humana é Moisés.
Tudo em relação a Moisés é inusitado até mesmo o fato de que alguns estudiosos chegam a dizer que ele nunca existiu, mas sua história é contada na Bíblia, no Corão, e no livro da fé Baha'i.

Parece tolice tentar desacreditar Moisés afirmando que ele não é um personagem real porque além de sua história estar presente nestes três livros religiosos, também encontramos vários indícios históricos de sua existência, além obviamente dos relatos religiosos.

No texto Bíblico temos uma riqueza de detalhes, descrevendo todos os fatos que envolveram o nascimento de Moisés no Egito. Segundo o texto do livro bíblico do Êxodo Moisés era descendente de Israel que era o outro nome de Jacób, numa época em que seu povo era escravo no território egípcio.

A história contado no final do livro do Gênesis dá conta que José, filho de Jacob, foi vive-rei no Egito, ele havia chegado no Egito como escravo, vendido pelos irmãos por causa de ciúme, mas acabou se tornando vice-rei, por ter previsto anos de seca depois de anos de ótimas chuvas, além de prever a seca José orientou a Faraó que construísse grandes celeiros para armazenar alimento no período das boas chuvas. O Faraó ficou tão impressionado com o rapaz que o colocou como segundo homem em seu reino, e quando sua previsão se concretizou ele tornou o Egito a nação mais rica da época, vendendo alimento para os povos vizinhos que também sofriam com a seca. José então trouxe sua família para o Egito e mesmo os irmãos que o haviam vendido como escravo ele os perdoou, e comprou terras para eles na região do delta do rio Nilo, aonde todos passaram a viver.

Séculos mais tarde os descendentes de Jabob cresceram tanto em número que passaram a incomodar as autoridades egípcias, este problema se tornou tão grande para as autoridades egípcias que eles resolveram tornar todos os israelenses em escravos. Mesmo assim eles continuaram a crescer numericamente. Foi então que numa tentativa de freiar o crescimento numérico dos descendentes de Israel houve um período em que os egípcios haviam decretado que as parteiras deveriam sacrificar todos os meninos israelenses que nascessem, e foi neste momento que Moisés nasceu.

Na ocasião a mãe de Moisés deu a luz sozinha para não ser denunciada por uma parteira, mas o choro da criança faria que o bebê Moisés fosse notado, então ela colocou o menino no cesto de palha na beira do rio Nilo, num lugar aonde a filha de faraó costumava se banhar. Ao ver o bebê a filha de faraó logo entendeu que era um filho dos hebreus que a mãe havia colocado no rio com a esperança de poupar lhe a vida. Então a filha de Faraó decide adotar a criança e Moisés acabou sendo criado no palácio como um príncipe. Dentro do palácio ele teve uma educação primoroso, acesso a todo conhecimento do Egito antigo, enquanto seu povo era renegado escravidão.

Devido a condição de escravidão os israelenses não podiam manter sua fé que era diferente da religião mística do egípcios, seus antepassados creram em um Deus diferente que eles não conheciam por que não podiam professar sua fé livremente, mas o relato bíblico diz que o povo orava a este Deus dos seus antepassados para que eles saíssem da escravidão.

Quando Moisés se tornou um homem adulto ele se revoltou contra um egípcio que açoitava um israelense e matou este egípcio, para não ser preso ele fugiu para a terra dos Midianitas aonde hoje é a Arábia Saudita.
Mas alguns entendem que Moisés matou aquele egípcio na tentativa de começar uma rebelião e libertar seu povo, realmente esta pode ter sido a intenção dele mas de um jeito ou de outro isto não deu certo e ele teve que fugir.

No exílio ele casou e constituiu família e com o passar dos anos tudo indica Moisés já havia desistido de ser o libertador de seu povo, até que num determinado dia ele estava cuidando do rebanho do seu sogro e se depara com uma visão, ele viu um arbusto que estava em chamas, contudo o fogo não consumia a planta, e do meio do fogo ele ouviu uma voz.

Esta narrativa está no capítulo três do livro do Êxodo, e descreve que a voz que vinha de dentro do fogo diz para Moisés voltar para o Egito para tirar aquele povo da escravidão.

Moisés entendeu que era a voz do Deus dos seus antepassados, mas afinal de contas quem era aquele Deus? Moisés tinha sido criado num Egito extremamente sincrético, aonde existiam inúmeras divindades. Moisés então pergunta: “Mas quem é o Senhor?” Então a voz de dentro do fogo diz: “Eu sou o que sou”.

Muitos teólogos discutem sobre o significado desta resposta, talvez tenha sido apenas uma forma de dizer: “Moisés não adianta dizer quem sou, porque você não vai entender”, ou ainda “não posso dizer quem sou porque não posso ser definido, sou muito mais do que as palavras do seu vocabulário podem definir”; o texto mesmo não explica o que significava aquela afirmação "Eu sou o que sou".

Independente se você crê ou não na visão de Moisés, ou se crê ou não registro desta história conforme o livro bíblico, temos diante de nós a seguinte questão: “Afinal quem é você?” Fico imaginando se ele perguntasse pra mim, "quem é você"?

Quando outros nos fizem esta mesma pergunta, nossa resposta acaba por variar conforme quem está questionando. Para a Polícia sou uma digital, para o governo um número no cadastro, para os cartórios sou uma assinatura, para os amigos sou um conjunto de idéias, opniões e gostos; para as pessoas que me veêm regularmente mas não me conhecem a fundo sou um nome e um rosto, uma fisionamia; para a ciência sou um código genético expresso no “DNA”, para a pessoa com quem divido a intimidade sou um cheiro, um toque; para a receita federal sou um numero no cadastro do contribuinte. Por ai vai, “quem sou” depende de quem pergunta.

Mas quando nós mesmos nos fazemos esta pergunta? “Afinal de contas quem sou eu?”

É irônico porque a maioria de nós não sabe ao certo quem é, mas quase todos sabemos quem gostaríamos de ser; irônico também porque com raras exceções conseguimos realmente nos tornar quem queríamos, raramente tornamos real este “eu idealizado”.

A maioria de nós tem um ideal pra si, muitas vezes este “eu ideal” ou “eu idealizado” surge na religião. Um cristão por exemplo vê em Cristo um ideal de conduta; sua forma de ser, seu comportamento, seu exemplo de vida e de atitude, seu amor, sua lógica humanitária, em fim, seu estilo de vida é um parâmetro de atitude e de comportamento, o próprio nome cristão surgiu quando os romanos chamavam assim todas as pessoas que procuravam imitar a Jesus Cristo. Então para um cristão, Cristo é o seu “eu idealizado”. Penso que o mesmo ocorre com um budista, que vê em Buda o seu ideal de vida; para o budista Buda é o seu exemplo de conduta, de vida, é o seu “eu idealizado”; e assim também ocorre com um Muçulmano que vê no profeta Mohamed alguém que ele gostaria de ser, o profeta é o exemplo maior de vida para um praticante do Islã.

Todos estes são figuras que nos rementem a quem nós gostaríamos de ser dentro de uma perspectiva religiosa. Mas como dissemos, ironicamente todos idealizamos “ser” mas dificilmente alcançamos, e com isto surge dentro do ambiente religioso a chamada hipocrisia religiosa, porque temos um ideal, temos um modelo, mas não seguimos. Mesmo quando nosso desejo de atingir aquele determinado padrão religioso de comportamento é o mais sincero possível, ainda assim, é muito difícil mudar o que “somos” para nos tornarmos quem queremos “ser”. Mesmo que tenhamos na religião modelos comportamentais que entendemos ser ótimos para nós, ainda assim, todo ser humano tem uma imensa dificuldade em se tornar aquele ideal que ele vislumbra. Por isto então a maioria das religiões acaba sofrendo com esta chamada hipocrisia, falamos, pensamos e pregamos determinado modelo que muitas vezes nós mesmos não temos praticado. Até somos sinceros quando afirmamos que cremos naqueles valores religiosos, mas nosso discurso acaba distante da prática.

Curiosamente em geral os ideais são sempre os melhores, o ditado popular já dizia que “de boas intenções o inferno está cheio”, pois quase sempre este "eu" que idealizamos é muito bem intencionados. Idealizamos sempre sermos pessoas boas, pessoas que ajudam o próximo, que fazem o bem, que socorrem no necessitado, que cooperam com as autoridades, que lutam por um mundo mais justo.

Sendo assim, o problema não está em quem queremos ser, pois salvo raras exceções, este “eu idealizado” ou “eu projetado” é sempre o melhor possível, Platão mesmo já dizia que o mundo das ideias é perfeito, porque a maioria de nós idealiza sempre o melhor comportamento, a melhor atitude a pessoa mais ética, mais forte; então o mundo das ideias de Platão é realmente perfeito.

Sabemos como queremos nos comportar, todavia o problema é a prática, ou a falta da prática do “ser”. Isto provoca em nós uma angustia de maneira que muitas pessoas acabam por viver de forma fantasiosa. É uma enorme frustração não ser quem se gostaria, não viver como gostaria, então muitos se refugiam na ilusão.

O tempo todo cruzamos com pessoas que vivem na ilusão, não apenas no caso da hipocrisia no ponto de vista religioso, mas é a ilusão do dia a dia, aonde o ser humano se mostra como se fosse forte, fantasia que é rico, que é feliz, que é um herói, que é ser ligado em valores espirituais, que é uma pessoa segura, etc. As pessoas mentem pra si mesmas dizendo que são quem gostariam de ser, mas acabam não percebendo quem realmente são, ou mesmo talvez, o fato de que muitas vezes. Fantasiarmos quem somos acaba por prejudicar a percepção e a avaliação de quem realmente somos.

Quando nos deparamos com uma pessoa embriagada, o álcool faz o efeito e o indivíduo começa a “contar vantagem”, mas muitas vezes não se trata de “contar vantagem” mas sim uma autoafirmação. O bêbado diz que faz isto e aquilo, e é forte, e é valente, e é galanteador, conquistador, etc. Mas foi o álcool que expôs o “alter ego”, o embriagado perde a inibição e começa a revelar quem ele realmente gostaria de ser.

A autoafirmação acaba fazendo parte deste processo de mentir pra si mesmo. O poeta brasileiro dos rock dos anos 1980 já dizia que “mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira”, mas infelizmente isto parece ser um hábito recorrente na medida em que nos frustramos por não sermos quem gostaríamos de ser.

Será que não temos domínio sobre quem somos? E assim também como quando tentamos estabelecer metas pra nós mesmos, ou programamos iniciar dietas, ou resolvemos mudar hábitos alimentares, ou ainda tentamos estabelecer determinada forma de conduzir a vida. Dizem alguns que é a força do hábito que torna tão difícil mudarmos, e por isto seria tão difícil sermos quem gostaríamos de ser.

Este problema as vezes se torna em paranoia, pessoas explodem em crises existenciais, ou são terrivelmente recalcadas por que não são quem queriam ser, ou ainda por que se obrigam a ser quem na realidade não são. É como se tentassem marretar o padrão deste “eu idealizado” mas quase sempre isto termina em frustração.

Isto também é muito comum no meio religioso, pessoas entendem que determinado padrão religioso é o ideal para suas vidas, mas elas não conseguem mudar seu “ser”, e acabam que impõe a si mesmas um modelo de comportamento, e muitas vezes isto acaba gerando uma repressão tão grande que gera terríveis problemas psicológicos.

Dentro do cristianismo encontramos pessoas recalcadas, frustradas, reprimidas, porque tentam impor a si mesmas os ideais de Jesus; e pior, muitos crentes usam o discurso do Apostolo Paulo aos Gálatas, quando ele fala que quem vive pelo espírito tem domínio próprio, e usando este texto, estas pessoas entendem que devem realmente impor a si mesmas este modelo de “ser”. Ocorre que Paulo está na verdade defendendo que o cristão deveria ser capaz de dominar seu "eu" ou dominar seu “ser”.

Parece que realmente não temos controle sobre nossas hábitos. Todos temos um ideal de nós mesmos que acabamos por não conseguir tornar em realidade, como o ébrio que mencionei acima, que apenas revela seu desejo de ser outra pessoa.

Se afinal esta é nossa condição humana, restam-nos algumas perguntas:

Porque não somos o que idealizamos para nós mesmos? Ou porque não tornamos em prática aquilo que entendemos ser o correto na teoria?

Será que não temos domínio sobre nós mesmos?

Será que somos prisioneiros de nós mesmos?

Sera que não temos opção de sermos outra coisa? Será que não dominamos nossos ímpetos nem nosso comportamento?

Não podemos escolher, ou mesmo decidir se seremos diferentes, se seremos outra pessoa?

Será que não temos domínio sobre quem somos?

Se não dominamos o que somos, podemos então também dizer que “somos o que somos” como Deus falou para Moisés. Não, não podemos dizer que "somos o que somos" porque não "somos" por opção. Se não dominamos o “ser” podemos dizer que existimos, mas não "somos".

Se não dominamos a nós mesmos, estamos presos! Somos aquilo que nos foi imposto pelos costumes, pelas tradições, pela nossa história de nossas vidas, pelos nossos instintos ou mesmo pelas armadilhas de nossa psique. Não podemos “ser” livremente. Só posso dizer que "Sou o que Sou" se tiver domínio sobre o meu "ser".

Interessante pensarmos no conceito de domínio. Domínio está diretamente ligado ao conhecimento.

Recordo que tinha um amigo que conhecia muito de determinado assunto, e ele costumava dizer que aquele assunto ele dominava.

Aqui então temos a chave para esta questão, porque dominamos o que conhecemos. Então não se trata de não podermos mudar, o problema é que não temos domínio sobre nós mesmos porque não nos conhecemos. 

O Auto conhecimento é a condição primeira para que possamos mudar qualquer hábito, qualquer forma de comportamento; o auto conhecimento é condição primeira para que possa determinar quem quero ser.

Só posso dizer “sou quem sou” se souber quem sou. Só posso dizer que "sou o que sou" se tiver domínio sobre o meu ser, e só posso ter domínio sobre meu ser se me conhecer.

Talvez fosse isto que a voz de Deus dizia para Moisés. Moisés pergunta: O senhor é quem?
Ao que Deus responde “Sou quem Sou".
Era como se Deus respondesse para Moisés: Eu Sou quem Sou porque Eu sei quem sou.
Talvez Deus até mesmo tenha dito desta forma para demonstrar de forma implícita que era Moisés que não sabia quem era.

Se nos conhecermos, poderemos sim mudar, poderemos ter domínio sobre nossos hábitos e costumes, poderemos modificar nosso comportamento, poderemos ser que queremos ser, poderemos tornar nosso alter ego real, ou na verdade, nem precisaremos de alter ego, eles são fantasias que criamos para suportar a dor de não termos domínio sobre nós mesmos, mas não precisa ser assim.

Precisamos fugir das fantasias que criamos para nós mesmos, elas são prisões do “ser”, temos que encarar toda a verdade sobre quem realmente somos mesmo que seja difícil. Temos que questionar a nós mesmos: “quais os fatores que me levaram a ser quem sou”?

Temos que ter coragem de ver a realidade de nossas vidas, e procurar entender como e porque chegamos ao nosso estado atual; trazendo a nós mesmos para o nível de nosso conhecimento; dominaremos nosso ser, ou melhor, só então ultrapassamos o nível da mera existência para chegarmos ao nível do "Ser".


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