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sábado, 27 de setembro de 2014

O "Sr Ninguém" E Deus


O fantástico filme belga "Sr Ninguém" lançado em 2009 do diretor "Jaco Van Dormael", infelizmente para nós brasileiros é quase uma piada pronta, porque aqui no Brasil quase ninguém assistiu.

Apesar de desconhecido da maioria de nós, o filme coleciona nada menos que 30 prêmios internacionais. Outra marca do filme é a excelente atuação de Jared Leto como protagonista, e aqui façamos um parêntese, o cinema norte americano é essencialmente comercial e não dialoga com filmes desta natureza, então Jared Leto nem sequer foi mencionado na premiação do Oscar de 2010, ele veio a ser premiado anos depois, como ator coadjuvante, por sua atuação em "Clube de Dallas". E chega a ser ridículo ver que tendo um filme tão fantástico como o "Sr Ninguém" no circuito, o cinema americano naquele ano premiou "Guerra ao Terror", parece uma brincadeira de mal gosto.

Mas voltando a Jared Leto, ele é um artista muito diferenciado, tanto como ator como músico, e isto é inegável mesmo que paire sobre ele denuncias de que é envolvido com ocultismo, Illumitais e satanismo. Jared Leto foi tão fantástico neste filme que ele foi premiado em todos os países que levam o cinema a sério como arte, até o  festival de cinema russo premiou ele neste filme.

"Sr Ninguém" é diferente de tudo que se pode ser visto numa tela de cinema,  Particularmente fiquei fascinado, e creio que nunca vi e nem ouvi falar de nada igual num roteiro.


Na trama o personagem "Nemo Nobody" interpretado por Jared Leto, surge num futuro próximo aos 118 anos de idade sendo estudado por uma equipe médica.

Existe nele uma característica única e enigmática, pois tudo leva a crer que ele se desdobrou em vários de si mesmo, e vivenciou cada uma das variáveis de sua vida, conforme as decisões e escolhas que teve que fazer. Ele vivencia cada experiencia como se tivesse se desdobrado e dimensões paralelas e distintas, vivendo simultaneamente as várias opções de vida que se apresentaram a ele conforme as escolhas que fazia.

Por exemplo, em relação ao divórcio dos pais, quando a mãe pergunta se ele quer ficar com ela ou com o pai, então na sequência das suas memórias ele recorda de como foi sua vida ao lado de sua mãe, em seguida ele recorda de como foi sua vida ao lado do pai, como se tivesse vivido paralelamente e distintamente ambas situações de vida.

Nemo também vive paralelamente três relacionamentos amorosos e conjugais diferentes, conforme as escolhas que fazia que o levara por caminhos distintos na vida. Numa situação Nemo se casa com Elise, outra direção ele se casa com Jeinne e noutra ele casa com Anna. Na verdade o roteiro faz menção de várias realidades paralelas que Nemo vive, mas ele se foca no aspecto emocional, e podemos até mesmo dizer que o filme só pode ser compreendido a luz das teorias sobre as chamadas almas gêmeas porque o objeto de observação das escolhas de Nemo é sua vida emocional.

Mas antes de falarmos sobre as almas gêmeas temos de registrar a genialidade desta obra de Jaco Van Dormael, porque em muitos aspectos podemos perceber que apensar das muitas vidas paralelas de Nemo Nobody, ele sempre apresentava algumas características constantes, revelando que não necessariamente são as situações das nossas vidas que moldam nosso caráter.

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No final o protagonista idoso diz que na verdade tudo aquilo não eram dimensões paralelas, mas sim o vislumbre de um garoto de nove anos que tem uma dura decisão a tomar, então o filme não necessariamente percebe Nemo vivendo estas situações ao mesmo tempo, mas o filme na verdade é desenvolvido como uma jogo de labirinto, como se fosse possível vislumbrar o caminho que nos leva até nosso o objetivo através de várias tentativas e erros, imaginando que as incontáveis possibilidades que nossas escolhas produzem podem ser vislumbradas para que achemos nosso caminho neste imenso labirinto.

 Mas qual seria o objetivo a ser alcançado no final do labirinto? E o que isto tem a ver com almas gêmeas?

A questão é que nas suas tentativas e erros Nemo está tentando encontrar o caminho para sua alma gêmea, e por sinal Jaco Van Dormael demonstra conhecer profundamente do assunto, pois vejamos que são três os possíveis relacionamentos de Nemo, com Jeinne ele enriquece mas é infeliz e percebe que está emocionalmente vazio, com Elise ele sofre muito porque ela se torna depressiva e Nemo passa a ter que cuidar dela e dos filhos, e finalmente com Anna ele é absolutamente feliz e realizado. Ocorre que está e exatamente a perspectiva de almas gêmeas numa das correntes do induísmo. Em diversos textos Indus encontramos ensinos de que existem três tipos de almas gêmeas, a Cármica é aquela com que nos ligamos para que haja sofrimento e as pessoas possam pagar por seus pecados e seria Nemo casado com Elise, a Dármica é aquela ligação onde ambos prosperam profissionalmente e financeiramente mas não se completam no amor, e seria a ligação de Nemo com Jeinne, e por último a Cósmica que  é aquela ligação que vem desde os tempos remotos antes da existência física, e esta ligação gera profunda realização em ambos, e esta seria a grande busca de Nemo de estar com Anna que seria sua alma gêmea na dimensão Cósmica. Então o que vemos é o protagonista tentando encontrar no jogo de escolhas da vida que formam um grande labirinto, o caminho que leva até sua alma gêmea a nível Cósmico que seria a personagem Anna que no filme é representada pela belíssima alemã Diane Kruger.

Este enredo do filme "Sr Ninguém" me fez lembrar muito um outro filme chamado "Agentes do Destino" ou The Adjustment Bureau - título original - de 2011 dirigido por George Nolfi, que também aborda esta mesma perspectiva de que o futuro é um emaranhado de probabilidades estatísticas que variam conforme nossas escolhas, um grande labirinto onde cada escolha nos leva para uma direção.

Contudo "Agentes do Destino" até por ser americano (e isto implica em ser necessariamente mais comercial), não tem tanta riqueza e profundidade como o "Sr Ninguém", mas tem um roteiro digno de elogios. Mas em "Agentes do Destino" encontramos uma perspectiva diferente, e porque não dizer, contrária ao Sr Ninguém, porque em os "Agentes do Destino" existem os tais agentes que estão a serviço de um ser supremo, que eles chamam de " Cabeça" e cuidam para que o destino seja aquele que foi previamente planejado nas esferas espirituais superiores, é a mesma percepção do Sr ninguém mas numa visão antagônica pois no Sr Ninguém  as pessoas são livres para fazer suas escolhas, enquanto no "Agentes do Destino" isto não funciona bem assim, todavia é muito interessante como eles abordam esta temática a ponto de que os chamados "agentes do destino" tem até uma espécie de agenda eletrônica aonde acompanham em tempo real um mapa de como as possibilidades de futuro variam conforme nossas escolhas e a agenda realmente se assemelha a um labirinto.

Mesmo em perspectivas diferentes, em ambos os filmes seu protagonista persegue o objetivo de ficar com sua alma gêmea, mas enquanto no "Sr Ninguém" ele tenta encontrar o caminho que leva até o ficar com ela em definitivo, nos "Agentes do Destino" o protagonista tem que lutar contra a vontade de um ser supremo que se opõe ao fato destas almas poderem ficar juntas.

Eu já fiz uma postagem sobre isto a algum tempo, revelando que este era o ponto de vista dos gregos Os gregos antigos acreditavam que fora Zeus quem havia separado as almas gêmeas, e ele não gostava da ideia de que eventualmente estas almas se reencontrassem, e uma curiosidade sobre este assunto é que quando estudamos minuciosamente algumas palavras de  Jesus percebemos que Ele se opõe a esta ideia dos gregos afirmando que na verdade Deus trabalha para que de alguma forma estas almas se reencontrem, mas vou deixar aqui o link caso o amigo queira dar uma olhada neste aspecto deste assunto tão complexo:  http://eradaincerteza.blogspot.com/2013/01/platao-as-almas-gemeas-e-biblia.html

Voltando ao "Sr Ninguém", enquanto em "Agentes do Destino" aparece este "Cabeça" que seria uma figura suprema determinando o destino, no "Sr Ninguém o aspecto religioso não é abordado, a não ser por uma pequena cena no início. Mas quando falamos num futuro que varia conforme nossas escolhas, é impossível não pensar no âmbito religioso. Isto também nos remete a trilogia Matrix que apresenta um personagem muito curioso que é o "Arquiteto", e ele obviamente seria uma representação de "Deus" (convém lembrar que na maçonaria "Deus" é chamado de "o grande arquiteto do universo"), e numa cena icônica do segundo filme da trilogia o personagem "Arquiteto" diz para o personagem "Neo" que ele é o resultado de uma equação. Já no terceiro filme desta trilogia, noutro diálogo entre o personagem "Neo" e a personagem "O Oráculo", ela afirma a respeito do "Arquiteto" que ele é alguém que só consegue perceber os eventos do mundo dos homens  em formulas matemáticas. Ambas são referências grotescas insinuando de que Deus enxerga apenas as variáveis que as possibilidades de nossas escolhas vão gerar, e por conhecer cada variável, Ele pode controla tudo.

O que vemos no Sr Ninguém é o exercício do livre arbítrio, mas isto não significa facilidade, muito pelo contrário, Nemo precisa se deparar com escolhas que vão leva-lo em caminhos tão diversos, e tentar acertar qual escolha vai leva-lo a Anna não é tarefa fácil. Esta ideia do Sr Ninguém X Agentes dos Destino é na verdade algo muto debatido desde tempos remotos, afinal nós é que fazemos nossas escolhas ou um ser supremo já deixou tudo previamente determinado?

Dentre as diversas religiões mundo a fora, entre os vários credos, existem aqueles que pensam que tudo já está pré determinado, e existem aqueles que preconizam que aos homens é dado o direito de escolher seu futuro, sabendo que existe um preço a pagar por suas escolhas.


No cristianismo, e principalmente no cristianismo evangélico e protestante, esta questão é bastante complexa porque as duas vertentes bastante antagônicas convivem dentro da fé cristã, e isto vem desde os tempos da reforma.
Dois pensadores da reforma protestante discorreram sobre este assunto com pontos de vista totalmente opostos.
De um lado o franco suíço João Calvino (a esquerda da foto) acreditava que Deus já havia pré estabelecido tudo na história humana, então não há livre arbítrio, agimos conforme a vontade pré estabelecida pelo ser supremo.
De outro lado outro importante pensador da reforma, o holandês Jacó Armínio (a direita da foto) dizia o oposto, de que Deus deu ao ser humano liberdade para escolher seu destino, e que mediante as escolhas que fazemos existe um ônus, ou um bônus.
Entre os batistas esta divisão foi tão profunda que nos idos de 1650 as igrejas batista da Inglaterra se dividiam em Batistas gerais que acreditavam que o homem tem livre arbítrio, e Batistas Particulares que acreditavam que tudo já está pré destinado, atualmente isto mudou e a grande maioria dos batistas defende que o homem tem liberdade para fazer suas escolhas, conforme escreveu Armínio.

Os calvinistas sempre discordaram dos que creem na liberdade do homem para fazer suas escolhas, dizendo que Deus não daria liberdade ao homem porque isto seria o mesmo que abrir mão de sua soberania na medida que dando liberdade ao homem ele estaria abrindo a possibilidade de que sua vontade não se cumprisse. Mas com o passar dos anos e com a evolução da matemática e da estatística muitos teólogos juntaram os conhecimentos estatísticos e os estudos sobre probabilidades para dizer que a liberdade dada ao homem não implica em que a Deus perca sua soberania na medida em que Ele conhece todos as variáveis e todas as probabilidades de futuros possíveis, e em todos eles Deus  continuará sendo Deus, mas isto pode dar vazão a visões estranhas como aquelas dos filme "Matrix".

Como dissemos o belíssimo filme "Sr Ninguém" não aborda aspectos religiosos de forma clara, mas este assunto acaba surgindo naturalmente pois sempre foi tema de debate no âmbito da religião; e não apenas entre os cristãos, mas em diversos credos. E apensar de ser um filme complexo, ele acaba trabalhando uma temática ainda mais complexa com uma simplicidade bastante esclarecedora, e mesmo que o espectador não concorde com todos os seus aspectos, ainda sim ele lança uma luz que ajuda na compreensão de uma perspectiva sobre nossa liberdade de escolha e suas implicações.

Mas a maior contribuição do filme o Sr Ninguém é perceber pontos convergentes em nossas escolhas, pois isto, como disse, é o mesmo que afirmar que não somos produtos do meio, mas temos em nós características intrínsecas que nos definem muito alem de suas escolhas eventuais. Escolhas eventuais ocorrem por situações eventuais, e ou por fatalidades, mas não necessariamente definem nossa essência.

E sobre as conjecturas religiosas, as quais o filme não aborda diretamente mas desperta, surgem questões para  todos aqueles que assim como eu acreditam num ser supremo e creem que temos liberdade para escolher nosso destino, mas não necessariamente veem Deus naquela perspectiva obscura. como um demiurgo gnóstico a semelhança do "Arquiteto" no filme "Matrix" que apenas nos vê dentro das probabilidades estatísticas e matemáticas que surgem mediante nossas escolhas.

Como disse no início, o "Sr Ninguém" foca nas questões emocionais, percebendo as almas gêmeas dentro de ideologias de partes do induísmo, mas independente disto, ele nos trás a tônica bem clara de que somos responsáveis por nossas escolhas, e muitas vezes somos vítimas de fatalidades, mas na maior parte do temo, somos nós que decidimos o que fazer. Até mesmo dentro deste foco das três possíveis almas gêmeas, o filme preconiza que Nemo passou o tempo todo tentando alcançar sua alma gêmea da dimensão cósmica, o que revela o caráter combativo de alguém que não desiste facilmente de seus objetivos diante dos obstáculos e não os perde de vista diante de suas escolhas. Por tudo isto, e mesmo discordando de muitas ideias que surgem até mesmo subliminarmente no Sr Ninguém, ainda assim é um filme muito positivo.

Mas de fato muitos não creem em nossa liberdade de escolha, muitos realmente creem num Deus gnóstico que nos manipula através de uma universo de possibilidades estatísticas, de maneira que estamos presos em seus desígnios; muitos também creem num destino de fatalidades inexpugnáveis, e como disse, até mesmo dentro do cristianismo protestante muitos creem num Deus que pré-determinou quem vai para o céu e quem vai para o inferno.

Talvez seja mais fácil acreditar que tudo é culpa do destino, ou das fatalidades, ou mesmo de um Deus cruel; pensar assim é melhor do que ter que responder por nossas escolhas equivocadas, creditar nosso problemas a um destino é mais fácil do que ser assombrado com a perspectiva de ter que assumir o bônus e o ônus de nossas decisões. É sempre mais fácil colocar a culpa em alguém mesmo que seja em Deus.



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