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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Repulsa a "In Nomine Dei" De José Saramago e o Resgate dos Anabatistas

Admirava José Saramago, afinal um prêmio Nobel português é motivo de orgulho para todos os povos de língua portuguesa, e mesmo discordando, julgo saudável quando admiramos de quem discordamos,

Resultado de imagem para in nomine deiPois este escritor português que morava na Espanha conquistou o mundo principalmente por seu trabalho "Ensaio Sobre a Cegueira" que é uma obra fantástica, mas eu o execrei quando me deparei sua peça "In Nomine Dei" (em nome de Deus).

Este livro fez minha admiração se esvair. Não porque ele tenha abalado minhas convicções, pelo contrário, mas por causa de uma sutil, mas incrivelmente inteligente, manipulação, que leva o leitor a desprezar um dos grupos históricos mais importantes e mais perseguidos de toda a humanidade que foram os Anabatistas.


Alguns dirão que estou cometendo uma tremenda injustiça com Saramago porque ele escreveu esta peça baseado em fatos reais ocorridos numa vila da Alemanha entre os anos de 1532 e 1535, mas o que ele fez foi pegar um fato histórico isolado e olha-lo fora do contexto, como se todo o resto fosse assim.


In Nominne Dei é uma peça teatral sobre parte da história da rebelião de Müster, esta rebelião resultou na tomada do poder da cidade por parte de um líder Anabatista chamado Jan Matthys, mas Matthys tornou-se um déspota e passou a perseguir os católicos e os luteranos da região, Matthus foi morto e foi sucedido por João de Laiden, que saqueou a cidade e passou a defender a poligamia, mas acabou sendo derrotado com o apoio dos próprios Anabatistas que não apoiavam seus atos. O problema é que Lutero que já tinha enfrentado uma revolta de camponeses organizada por Anabatistas em 1525, depois destes eventos em Müster, proclamou os Anabtistas hereges, e com isto a igreja Luterana também passou a perseguir os Anabatistas.

Como disse, José Saramago pega esta história, sendo este o único epsódio da reforma,onde os Anabatistas foram violentos, e na verdade foi um líder que se tornou um déspota, mas depois os próprios Anabatistas se voltaram contra ele por não concordar com seus atos; então Saramago com sua absurda intelectualidade, manipula-nos a ver a religião cristã como maléfica, e principalmente os Anabatistas como representantes dos grupo mais radical da reforma.

Porque ele por exemplo não fez uma peça sobre os Anabatistas e a revolta dos camponeses de 1525, quando os camponeses miseráveis foram massacrados pelas autoridades do clero e do imperador da Prússia? Ou porque ele não falou sobre os líderes Anabatistas suíços que foram afogados como deboche ao batismo, apenas por defenderem a liberdade do indivíduo em tomar sua decisão quanto a sua fé?


Resultado de imagem para Dirk WillemsOu ainda, porque Saramago não contou por exemplo a história de Dirk Willems que em 1569 foi preso na Holanda quando descobriram que ele era Anabatista, ele foi condenado a morte mas consegui fugir da prisão, acontece que quando estava sendo perseguido um dos guardas caiu num rio congelado, quando ele percebeu que o guarda iria morrer, voltou e o salvou, obviamente por ter voltado para salvar o guarda ele acabou sendo alcançado por outros guardas e foi levado novamente para a prisão sendo executado por ser cristão Anabatista.

Obviamente Saramago não usaria estes fatos, pois não corroborariam a sua tese, pois a história demonstra que desde o próprio Cristo, a defesa dos valores humanistas cristãos sempre foi combatida com truculência por uma sociedade que prefere a hipocrisia dos cleros mas vira as costas para o ser humano.

Os Anabatistas realmente eram o lado radical da reforma protestante, eles queriam aproveitar o embalo da reforma protestante para avançar nos conceitos; defendiam a liberdade individual, o fim do vínculo entre poder político e religião, e pregavam a busca dos ideais humanistas do cristianismo. Contudo eles não tinham uma liderança central, até porque se houvesse seria morta, e basicamente qualquer cristão que não obedecesse a Roma, ou mesmo a uma das igrejas surgidas da reforma de Lutero, seria considerado um Anabatista. A verdade é que seus bons líderes foram mortos aos milhares, seus bens confiscados e ainda assim não foram extintos, apenas aos olhos de José Saramago eles eram os vilões da história.

Se haviam heresias? Sim é claro, aos montes. Eram fragmentados e perseguidos, numa época em que o analfabetismo imperava e os livros que compõe a bíblia estavam escondidos do povo, e por falar nisso, lembro agora de dizer que  alguns anabatistas foram mortos exatamente porque portavam exemplares da bíblia, enquanto outros que defendiam que a sagrada escritura fosse traduzida para os diversos idiomas também foram mortos, e foram vários os casos em que um líder anabatista foi morto por ter feito tradução da bíblia. Então eles defendiam arduamente aquilo que nem sempre conheciam na íntegra, pois tal conteúdo lhes era vedado pelas mesmas autoridades da inquisição que os perseguiam e os matavam.

Os Anabatistas da Suíça foram os primeiros a defender o conceito de Estado Laico, onde a religião deve ser independente da fé, os Anabatsitas da Alemanha se aliaram as causas dos pobres e dos oprimidos, os Anabatistas Holandeses formataram os conceitos mais profundos de liberdade de consciência e estabeleceram que o homem tem o direito dado por Deus de escolher seu credo, e escolher até mesmo se crê ou não em Deus.

Então Saramago usa um único episódio para detonar o grupo que lutou para que ele tivesse a liberdade de escrever.

Hoje não existem mais Anabatistas, o que existem são seus herdeiros, como os Menonitas por exemplo, ou os Amishs, contudo o grupo mais forte, os Batistas, se esforçam muito para negar seu vínculo com os Anabatsitas, isto porque os Batistas se consolidaram em solo Inglês quando havia uma relativa liberdade religiosa, mas o governo da Inglaterra não gostavam dos Anabatistas por serem excessivamente revolucionários, e isto os fazia subversivos, então os líderes batistas esforçaram-se para se desvincular dos Anabatistas a fim de que a igreja batista pudesse existir com autorização governamental; mas basta olharmos a história de Thomas Helwis, que foi o fundador das primeiras igrejas denominadas batistas, e veremos que ele conclamava anabatistas ingleses e holandeses para compor sua nova igreja, fez isto primeiro em Amsterdã em 1609 e em fez isto depois em 1611 na cidade de Londres; mais tarde o mesmo ocorreu nas treze colônias que foram a base para a formação dos Estados Unidos, quando os Anabatistas misturados entre os puritanos foram convidados a participar das primeiras igrejas batistas em solo norte americano. Séculos depois, por volta de 1850, o grande pastor batista inglês Charles Spurgeon, viajou para a Europa continental e também convidou remanescentes dos Anabatistas na Alemanha, Letônia e Russia, para que se unissem aos batistas que já estavam organizados como uma denominação forte.

Estimasse que hoje existam aproximadamente 100 milhões de batistas em todo mundo, mas como disse, seus principais líderes e historiadores se esforçam muito por negar este vínculo com os Anabatistas, de maneira que não sobrou nenhum deles para se defender.

Talvez a ausência dos Anabatistas seja um reflexo de nosso fracasso pois hoje não encontramos mais quem defenda a Cristo e o Cristianismo numa entrega de alma. Hoje somos conformados, tomamos a forma deste mundo, deixamos de confronta-lo, então realmente não sobraram muitos reformados para estar do lado dos camponeses, ninguém que defendesse radicalmente sua convicção de liberdade de consciência neste mundo de tanta manipulação, quando a mentira é repetida incessantemente para parecer verdade, não sobrou nenhum deles para dizer que misturar poder secular com a igreja de cristo desvirtua o projeto de Jesus, não sobrou ninguém disposto a dar a vida pelos valores representados naquela cruz quando o amor venceu o ódio. Os cristãos de hoje não incomodam os elitizados e hipócritas Saramagos de plantão.

Mas vou lhes mostrar o que realmente incomoda a sociedade. Em 1575 na cidade de Antuérpia na Bélgica o casal Mustdorp foi preso por ser Anabatista, o marido foi executado mas a esposa foi poupada a princípio porque descobriu-se que ela estava grávida, após dar a luz sua filha foi entregue a parentes próximos e ela também foi executada por ser cristã Anabatista, antes de ser morta Janneken Mustdorp escreveu uma carta para a filha recém nascida, a filha se tornou um cristã e guardou a carta e o texto acabou sendo publicado num livro chamado The Martyrs Mirror publicado em Amsterdã no ano de 1660, e chegou até nós, segue a transcrição:


Minha querida filhinha, eu a confio ao Deus Todo-Poderoso, grande e temível, o único sábio, para que a Ele a guarde e a faça crescer em seu temor, ou que a leve para casa em sua juventude; esse é o pedido de meu coração para o Senhor - você, que ainda é tão pequena, e que eu devo deixar aqui, neste mundo cruel, mau e perverso.

Visto, então, que o Senhor assim ordenou e predestinou, que eu deva deixá-la aqui, e você fique aqui desprovida de pai e mãe, eu a entregarei ao Senhor; faça Ele de você conforme Sua santa vontade. Ele a governará e será um Pai para você, de modo que nunca lhe falte nada aqui, se temer a Deus; pois Ele será o Pai dos órfãos e o Protetor das viúvas.

Portanto, meu cordeirinho, eu, que estou aprisionada e confinada aqui por amor ao Senhor, não posso ajudá-la de nenhuma outra forma; tive de deixar seu pai por causa do Senhor, e só pude tê-lo durante algum tempo. Deram-nos permissão de viver juntos apenas meio ano, depois disso, fomos presos, pois buscávamos a salvação de nossas almas. Eles o tiraram de mim, sem saber de minha condição, eu tive de permanecer encarcerada, e vê-lo ir antes de mim; foi um grande pesar para ele que eu tivesse de permanecer aqui na prisão. E agora que suportei o tempo, carreguei-a sob o meu coração com imensa tristeza durante nove meses e, com muitas dores, dei-a à luz na cadeia, eles a tiraram de mim. Aqui estou, esperando a morte a cada manhã, e logo seguirei seu querido pai. Eu, sua querida mãe, escrevo-lhe minha amada filha, algo como lembrança, para que assim você se recorde de seu querido pai e de sua querida mãe.

Agora, Janneken, meu doce cordeirinho, ainda tão pequena e jovem, deixo-lhe esta carta, junto com um anel de ouro que tinha comigo na prisão, e isso lhe deixo como despedida eterna e como testamento; que com isso você posso lembrar-se de mim, como também por esta carta. Leia-a, quando puder compreender, e guarde-a, enquanto viver, em memória de mim e de seu pai. Desse modo eu me despeço, minha querida Janneken, e beijo-a afetuosamente, meu doce cordeirinho, com um beijo eterno de paz. Siga a mim e a seu pai, não tenha vergonha de nos confessar perante o mundo, pois nós não tivemos vergonha de confessar nossa fé ao mundo e a essa geração adúltera.

Que isso seja sua glória, que não morremos por nenhum ato perverso, e esforce-se por fazer o mesmo, embora eles devam tentar matá-la, também. De forma alguma, cesse de amar a Deus sobre todas as coisas, pois ninguém pode impedi-la de temer a Deus. Se seguir aquilo que é bom, buscar a paz e nela permanecer, você receberá a coroa da vida eterna; essa coroa eu lhe desejo, e o Jesus Cristo crucificado, sangrando, despido, desprezado, rejeitado e assassinado, por seu noivo.


Pois bem, o mundo dos Saramagos detesta gente que pensa assim

Marcus Azen


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